Seguidores

29.3.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XXII

O ano de 47 chega ao fim, com o "Zé Varandas" a ser pai. Era também uma menina. E começava um estranho desafio com o amigo e cunhado Manuel. Ver quem teria primeiro o filho homem que ambos sonhavam.
O novo ano começa com a prisão da Comissão Central do MUD.
A nível internacional, Janeiro termina com o assassinato do apóstolo da não violência,  Mahatma
Gandi.
Em Fevereiro, o Capitão e  gerente da Seca, chamou o Manuel, e disse-lhe que precisava daquela barraca para a nova porteira. Mas atendendo a que ele tinha sido pai há pouco, se ele quisesse ir viver para o barracão junto ao rio, já lá viviam três casais, mas o barracão era grande, e tinha quatro quartos pelo que um estava livre, ele podia mudar-se para lá. Mais tarde se veria. Claro que Manuel aceitou. Não tinha dinheiro para outra opção.
O casarão, como ele lhe chamava, era um enorme barracão assente em pilares de cimento, com 1m de altura, para que a água passasse por baixo nas tempestades de Inverno, ou nas marés vivas de Agosto, pois ficava bem na margem do rio Coina. Tinha quatro quartos, com portas e chave, e um salão de 11 m de comprimento por 4 m de largura. Contrariamente aos quartos, este salão não tinha nenhum forro por baixo do telhado, pelo que não raras vezes pingava lá dentro quando chovia. A meio do salão uma grande mesa comprida, e de cada lado um banco corrido de madeira. A mesa era utilizada pelos quatro casais. A um canto do salão,uma "almofada" de cimento sobre a qual assentavam dois tijolos, com uma grelha de ferro em cima,  que servia de fogão. A luz era fornecida pelos candeeiros a petróleo, e a água as mulheres iam buscá-la ao chafariz da Telha, em bilhas de barro, que transportavam à cabeça sobre uma rodilha de pano a que chamavam "sogra".
  Entre o barracão e o chafariz uns quinhentos metros bem medidos. Os casais davam-se bem, eram colegas e amigos, gente da mesma terra em busca de trabalho e uma vida melhor.
A primeira obra do Manuel no casarão, foi a construção de um forno, junto ao fogão, para as mulheres poderem cozer pão.
Se por um lado não havia grande privacidade, cada casal partilhava o quarto com os filhos, por outro havia sempre uma mulher disponível para cuidar dos miúdos, dois rapazes do Aires, um casal do António, mais um rapaz do Carlos, e a menina do Manuel.
Fora deste pequeno mundo do Manuel, o outro lá fora continuava a girar.
Enquanto o governo de Salazar assinava um acordo com os americanos para a cedência da base das Lajes, a justiça chilena, ordenava a prisão de Pablo Neruda, Luther King é ordenado e indicado como pastor auxiliar na Igreja Batista de Atlanta, e a mulher do Manuel descobre que as poucas roupas que tinham comprado de enxoval antes do casamento se estavam a estragar todas, devido ao salitre entranhado nas tábuas com que o marido fizera a mobília.
Em Março o MUD é ilegalizado, e alguns dos seus destacados membros são presos. A safra do bacalhau chega ao fim e os bacalhoeiros partem para os mares da Gronelândia, para mais uns meses de pesca.
No mês seguinte são organizadas manifestações de apoio ao regime. Da Universidade de Coimbra vêm os professores a Lisboa homenagear Salazar que festeja vinte anos de poder.
Passado o desencanto do primeiro momento o nosso Manuel vive encantado com a sua menina, e passa todos os momentos livres ensinando-lhe gracinhas.
No aeroporto Shannon, Irlanda, despenha-se um avião americano, fazendo 50 vítimas.
O Brasil encabeça a lista de países da América do Sul e Central que conjuntamente com o México assinam a Convenção para a Concessão dos Direitos Civis à Mulher, em Maio desse ano. Nessa mesma altura decorre em Haia, o Congresso da Europa, e na Checoslováquia entra em vigor uma nova Constituição, enquanto se preparam eleições com lista única e a U.R.S.S. acusa Tito de traição. Ainda em Maio, mais precisamente no dia 14, Israel proclama a sua independência e no dia seguinte é atacado pelos estados árabes vizinhos.
O Partido nacionalista (pró-apartheid) vence as eleições na África do Sul.
Culturalmente Portugal fica mais pobre com a morte de Vianna da Motta.
No mês seguinte o funeral de Bento de Jesus Caraças transforma-se numa importante manifestação contra o governo.
O navio dinamarquês Kjoebenhavn afunda após colidir com uma mina. A bordo 140 pessoas perdem a vida.
 A União Soviética impõe boicote económico à Jugoslávia.
Começa o bloqueio a Berlim.
Em Julho teem inicio as negociações para o Pacto do Atlântico.  Norton de Matos anuncia a sua candidatura a Presidente da República, e lança o “Manifesto à Nação”.
O Jornal da JOC é proibido e acusado de publicar literatura Marxista, e de “Prejudicar a alma da Nação”.
Em Agosto, o Varandas veio com a novidade. A mulher estava outra vez “prenha”. Desta vez é que vinha  aí um menino.
A filha do Manuel faz 1 ano, em Setembro, e é uma miúda franzina mas saudável.
“Esta sai ao pai” dizia ele com orgulho, já esquecida a desilusão do ano anterior.
Regressam os bacalhoeiros e recomeça a labuta de mais de 400 pessoas. É a altura em que regressam os que partiram para a aldeia, e se dá a festa do reencontro com os que ficaram.
É nesse mês de Setembro que o Ministro da Finanças anuncia que Portugal aceita as regras do plano Marshall.
Na Europa, a cidade de Berlim é dividida. A Alemanha encontra-se igualmente dividida dando início a um longo período de dois países de raízes comuns, mas governos opostos.
E é também nesse mês que a Gravelina descobre que está outra vez grávida.
Ao Manuel renovam-se-lhe as esperanças do filho homem que tanto anseia.
E o ano termina com a aprovação pela ONU da Declaração Universal dos Direitos do Homem.




Bom fim de semana. E vou, mas volto dia dia 2 com mais um pedaço desta história.

26.3.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XXI


 foto da net
E o ano termina com mais uma vaga de contestações ao regime. O funeral de Abel Salazar foi disso exemplo, bem como as greves que afectam as cidades piscatórias.
O Ano Novo trás dois novos acontecimentos à vida do Manuel. O seu amigo e cunhado Varandas casa-se, e vai viver para a Quinta das Canas, vizinha da Seca da Azinheira, e Manuel descobre que vai ser pai.
Começa então a pensar que uma vez que a mulher está grávida, não irá para a aldeia para a casa da Piedade, como tinham pensado logo que termine a safra do bacalhau. Ele quer que ela fique junto de si, mas de Março a Setembro a Seca, não tem trabalho a não ser para os que trabalham na manutenção. Logo a mulher não poderá ficar na malta das mulheres, e o que ele ganha, não dá para alugar uma casa.
E enquanto Manuel faz contas à vida, os operários da construção naval de Lisboa, entram em greve, e o governo simula uma remodelação na tentativa de acalmar o povo.
Em Março começa o julgamento dos implicados na revolta da Mealhada, e chega ao fim a safra do Bacalhau.
O nosso Manuel foi falar com o Capitão Aníbal Ramalheira, na altura o gerente da Seca, para tentar resolver o seu problema. Como ele trabalhava o ano inteiro e a mulher estava grávida, ele queria uma casa para viver com ela. O pior é que as casas estavam todas habitadas. Só estava vaga a barraca do Pinheiro Manso.
Ele e a mulher não se importavam de ir viver para lá se o gerente autorizasse. E ele autorizou.
No fim de Março, eles mudaram-se para essa "casa". Era uma barraca de madeira, com uma cozinha, e dois quartos. Não tinha eletricidade, não tinha água, mas tinha o telhado forrado, o que a tornava mais confortável no Inverno. Como estava situada debaixo de um enorme pinheiro manso, também ficava abrigada do calor no Verão.
Manuel era um homem muito habilidoso. Com uma fita métrica, um martelo, escopro e plaina, cola ( que ele fazia com uma mistura de farinha de trigo e clara de ovo), pregos e madeira, ele era capaz de fazer maravilhas. Mas onde  arranjar a madeira?
Todos os anos, quando os navios chegavam, os "doris" (na seca chamavamos-lhes botes) eram trazidos para terra, para que fossem reparados. Eram trocadas as tábuas que estavam em mau estado, substituídas por novas, e calafetados, para que não apresentassem perigo quando voltassem ao mar. Á porta da oficina amontoavam-se as tábuas velhas, e pequenos pedaços de novas. Manuel conseguiu autorização para utilizar essas tábuas, e com elas fez um armário guarda-fatos, uma arca para guardar as roupas, o berço para o filho e uma mesa. No ferro velho comprou uma cama e duas cadeiras de ferro, que pintou de azul, a sua cor preferida, e o resultado foi a casita “mobilada” para onde se mudou três dias antes da Abrilada, um movimento revolucionário comandado pelo almirante Cabeçadas, chefe da Junta de Libertação Nacional, que visava destituir o governo. A revolta foi duramente reprimida por Santos Costa, e acabou com vários oficiais presos.
Dias depois 20 000 operários dos estaleiros fazem a greve de braços caídos, que resulta na deportação de 29 grevistas para o Tarrafal.
No primeiro de Maio de 47, António Sérgio profere a chamada "Alocução aos Socialistas". Pretende-se a renovação do Partido Socialista, e é apoiado por José de Sousa, antigo membro do PCP, regressado do Tarrafal, e pelos intelectuais, Adolfo Casais Monteiro, António Pedro e José Régio.
 Dias mais tarde, começam em Lisboa as greves estudantis, que se prolongam pelo mês de Junho.
O nosso Manuel via a barriga da mulher crescer, e sonhava com o menino que iria nascer.
Julho e Agosto passaram a correr e chegou Setembro. O filho do Manuel chegaria no final de Setembro. Porém no início de Setembro, uma daquelas tempestades de Verão, trouxe trovoada.
Na noite do dia dois para três, a trovoada rugia estrondosa como se estivesse por cima das suas cabeças. Ele abraçava a mulher que tremia de medo, e tentava esconder dela o seu próprio pavor, quando um enorme relâmpago fez da noite, dia, e o trovão os ensurdeceu. A mulher transida de medo sentia a criança “aos saltos” e ambos sentiram o cheiro a queimado. Pouco depois a trovoada afastou-se mas eles não mais dormiram. A mulher começou com contracções antes de tempo. Talvez por causa do medo, o certo é que a criança se aprestava para vir ao mundo. Quando pelas sete da manhã, Manuel abriu a porta da “casa” encontrou na sua frente, metade do pinheiro caído, cortado de alto a baixo pelo raio que o ferira. Tremendo, a pensar no perigo que correram, ele chamou a mulher. Ela no entanto não se levantou e apenas lhe pediu que fosse chamar a parteira.
Às onze horas e vinte da manhã, Manuel sofreu a sua primeira decepção depois do casamento.
O menino com que ele sonhara, não existia. O filho era afinal uma rapariga.


Para todos desejo uma boa semana, e nós voltamos dia 29


23.3.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XX

 A Gravelina e o Manuel no dia do seu casamento.




A iniciar o mês de Fevereiro de 1946, chegam a Lisboa 110 detidos do Tarrafal, amnistiados em Outubro do ano anterior. No terrível campo de Cabo Verde, ficavam ainda 52 presos políticos.
Salazar discursa sobre o acto eleitoral a 23 e a 27 do mesmo mês, os mineiros de S. Pedro da Cova entram em greve.
Na Europa é proclamada a república da Hungria, e na Argentina, Péron
assume o poder.
Em Abril, pouco antes do aniversário do Manuel surge o MUD  Juvenil, com Mário Soares, Salgado Zenha, Octávio Pato, José Borrego, Maria Fernanda Silva, Júlio Pomar, Mário Sacramento, Rui Grácio, António Abreu, Nuno Fidelino Figueiredo. Participam estudantes e operários. Durante o mês de Maio continuam as manifestações contra o governo. No mês seguinte é criado por republicanos o Movimento de Libertação Nacional, e na Lousã o PCP realiza o seu IV congresso, o segundo na clandestinidade.
Em Julho sai na Time um artigo contra Salazar e o seu governo, intitulado “Portugal: até que ponto o melhor é mau?”. Graças a este artigo, a venda da revista esteve proibida durante seis anos
O mês de Agosto chega com o veto da URSS à entrada de Portugal na ONU.
A 19 de Setembro Churchill, discursa na Universidade de Zurique e propõe uns Estados Unidos da Europa.
Na Azinheira, o Manuel achava que o tempo tinha parado. Faltavam menos de dois meses para o casamento e ele só pensava nesse dia. O bote e os remos não tinham descanso um só dia, e todos os dias faziam a travessia entre a Seca da Azinheira e a Seca do Seixal.
Por isso Manuel nem soube que a 11 de Outubro, se deu a Revolta da Mealhada. Revolta organizada por um grupo de oficiais milicianos a partir do Porto. A coluna marcha até à Mealhada onde é detida e os seus chefes presos. Nem que a 16 do mesmo mês eram executados em Nuremberga, alguns dos principais chefes nazis.
Por fim, Novembro chegou e com ele o tão ansiado dia do casamento. A 9 de Novembro na igreja de Santa Cruz no Barreiro, o Padre Abílio Mendes casava o Manuel com a sua amada Gravelina.
Foi seu padrinho o seu irmão João, e a cunhada Palmira, mulher do irmão.
A partir desse dia, a mulher passou a trabalhar na Seca da Azinheira, e o bote e os remos foram dispensados. Sem casa, ele vivia na malta dos homens e a mulher na das mulheres.
Apaixonado pelo futebol, não passou despercebido ao Manuel, a estreia em Famalicão a 24 desse mês dos “Cinco Violinos” um quinteto de jogadores do Sporting, que despertou a admiração de todos os aficionados do futebol.
Em Dezembro de 1946, as Nações Unidas criam a UNICEF
Para prestar ajuda de emergência, às crianças que sobreviviam entre a fome e a doença, que a guerra espalhara pela Europa




A todos um bom fim de semana. Eu e esta história voltamos dia 26.

21.3.12

DIA 21 de MARÇO - DIA MUNDIAL DE POESIA.


 VENHO CONTAR-TE ESTRANGEIRO


Venho contar-te estrangeiro
do meu país
Portugal
Aos teus olhos estranhos vou mostrar
As aldeias esquecidas de Trás-os-Montes
onde os campos raquíticos não dão pão
Terras, só terras, sem água, sem luz
sem escolas
sem homens
que já se cansaram da fome
herdada
desde longínquas gerações.

Venho contar-te estrangeiro
Do meu país
Portugal.
Aos teus olhos velados da cegueira
das campanhas turísticas.
Aos teus olhos que erram pelas praias
banhadas de sol.
Venho falar-te estrangeiro
Das horas de incerteza e de angústia
vividas pelo meu povo
que pela fome, o mar tornou seu escravo.
E...venho contar-te mais
desta terra onde nasci...
Onde os homens nascem
vivem
e morrem
sem consciência de terem vivido.
Terra de homens-escravos
do tempo
das máquinas
do dinheiro
da própria Vida.

Venho contar-te estrangeiro
Do meu país
Portugal.
Deste país que já não é de poetas
Porque um dia
Um punhado de homens acordou
quebrou as amarras do medo e lutou.
Era Primavera e os cravos floriram.
Na terra dos homens-escravos,
A Revolução nasceu.

Hoje...
Quando a fome cresce em cada esquina
Como erva daninha
Quando o desalento mata a esperança
e o desemprego cria raízes no meu país
O povo se esquece dos sonhos
E envelhece desiludido
Olhando as pétalas secas dos cravos.
Hoje estrangeiro eu vou contar-te
que eu queria acordar este país
com a revolta que me rasga o peito
e gritar
EU  AINDA SONHO
E QUERO UM PORTUGAL DIFERENTE
no futuro

Elvira Carvalho

 Em dia mundial de poesia, resolvi trazer este poema meu.  Na verdade mais de metade do poema foi escrito nos anos 70. A atualização fica-se pela última parte. Porque acho que se integra no actual momento em que vivemos  economicamente dependentes do estrangeiro resolvi postá-lo hoje, ao invés de escolher um poeta consagrado, que teria certamente outra qualidade.  No "A mulher e a poesia" encontrarão então umpoema de uma excelente poetisa.
Tenham um bom dia.  Eu volto na Sexta Feira com o Manuel...

17.3.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XIX



No Domingo seguinte Manuel foi como combinado, até à Seca do Picado no Seixal para se encontrar com o Varandas. E aí conheceu duas das irmãs do amigo. E embora elas fossem tão semelhantes fisicamente que quase pareciam gémeas, o seu coração logo se enfeitiçou por uma delas e não houve parecenças que o baralhassem.
Logo nesse dia falou ao amigo que gostaria de namorar a Gravelina.
Ela porém não ficou muito entusiasmada. Algumas das colegas de trabalho que já conheciam o Manuel das safras no outro lado do rio, na Azinheira falavam do rapaz como sendo dado à borga e às saias. E depois era mais velho, tinha quase 9 anos a mais que ela, não lhe agradou a ideia de um possível namoro.
O rapaz porém era teimoso, e contava com a amizade do Varandas, que era o irmão mais velho e naquela época, as jovens ouviam o irmão mais velho com o mesmo respeito com que ouviam  um pai. E assim depois de alguma insistência, o Manuel começou a namorar a Gravelina, no Natal de 1945. Entretanto pelas comemorações do 5 de Outubro, acontecem em Portugal uma vaga de manifestações oposicionistas.
Exige-se o fim do Estado Novo, em nome do espírito dos Aliados. O governo é obrigado a eleições que, segundo Salazar seriam tão livres como na Inglaterra.
Dias depois os oposicionistas fundavam o Movimento de Unidade Democrática.
A 18 de Outubro, o governo decreta uma amnistia parcial. Dois dias depois, o decreto nº 35 044 cria os Tribunais Plenários Criminais para os crimes políticos e sociais, que antes eram julgados pelo Tribunal Militar Especial.
Segue-se a 22 de Outubro o decreto 35 046 que extingue a PVDE, e cria em seu lugar a tenebrosa PIDE.
Naquele tempo Manuel não se apercebia de nada disto. Estava perdidamente apaixonado. Tinha esquecido as idas a Lisboa, e tudo o que isso implicava. Todos os seus tempos livres serviam ao Manuel para ir ver a amada. Na verdade a Seca da Azinheira, era conhecida por este nome, embora o verdadeiro fosse Parceria Geral de Pescarias, e a Sociedade Lisbonense de Pesca de Bacalhau, conhecida por Seca do Picado, situada na Ponta dos Corvos, ficavam em frente uma da outra, apenas separadas pelo rio Coina. Para ir ver a jovem, Manuel tinha que atravessar o rio e na Seca havia sempre um bote e um par de remos disponíveis para o fazer. Mas às vezes o mau tempo fazia perigar as visitas. Como naquele dia, 20 de Janeiro de 1946, noite de chuva forte, e ventos intensos, em que ao regressar com o Aires, que também tinha ido ver a namorada, perderam os remos, e Manuel mergulhou várias vezes, perante o terror do amigo, até os conseguir apanhar e regressarem assim com dificuldade, mas sãos e salvos. 
Enquanto isso a vida continuava muito difícil por todo o País. Nesse mesmo mês de Janeiro, aconteceram as greves de lanifícios da Covilhã e de toda a zona da Serra da Estrela, descritas por Ferreira de Castro, em “A lã e a Neve”
E no mês seguinte os mineiros de S. Pedro da Cova, que encetam uma greve que iria durar   sete dias.


Atenção no dia 20 não haverá postagem desta saga. Dia 21 sairá um post comemorando o dia da poesia e dia 23 esta história continua. 

Bom fim de semana.

15.3.12

BLOGAGEM COLETIVA - AMOR AOS PEDAÇOS - ENCANTAMENTO

Para esta blogagem coletiva eu escolhi um poema que alguns que me visitam já conhecem. Escrevi-o na longinqua decada de 70 aquando do 10º aniversário do meu casamento e claro é dedicado a meu marido. Como apesar de todos estes anos, não encontro melhores palavras para descrever o encantamento que senti quando o conheci, eis aqui o poema.



POEMA DO NOSSO AMOR NASCIDO

Ainda me recordo do tempo de solidão
quando na estação do meu desejo
embarquei ao encontro de ti.
Era Primavera? Não. Era ainda Inverno.
Mas o tempo não contava. Era um montão
de horas encerradas
na penitenciária do passado.
E foi justamente nessa altura
que te encontrei.
Trazias a noite agonizante
em teus cabelos,
enquanto nos teus olhos dourados
raiava a aurora.
Nunca te tinha visto e no entanto
soube logo que eras tu. No teu sorriso
- branco malmequer que desfolhaste,
me perdi. Com a força do desespero
que agoniza em silêncio,
o nosso amor nasceu. Depois...
bem, depois, não estava previsto
-mas aconteceu...a maçã do saber
adormeceu em nós.
A cidade, o rio, as gentes,
a vida e até a própria morte
deixaram de nos importar.
Há alguma coisa mais importante que
um homem e uma mulher que se amam?...
Lembras-te? Era o tempo dos beijos
a saber a pôr-do-sol,
das madrugadas amanhecendo
nos sorrisos sem palavras.
Era o tempo em que os nossos corpos,
prenhes de Amor, cavalgavam
pelas montanhas da Ilusão.

Elvira Carvalho

Esta blogagem é promovida por:

11.3.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XVIII



Nota: Aqui eu tinha uma foto que retirei da Internet e que porque ela estava identificada, pensei poder usar. Acontece que o seu autor , o senhor JacK Hazut me alertou que não tinha a sua autorização para a usar. Acabei de a retirar com um pedido de desculpas ao senhor Jack Hazut 











Em meados de Janeiro, os Alemães começam a abandonar o campo de Auschwitz, que será libertado por tropas russas antes do mês terminar.
Dias depois, tropas aliadas entram vitoriosas na cidade alemã de Colmar, e os seus aviões bombardeiam Berlim.
Estávamos nos primeiros dias de Fevereiro, e a 10 desse mês morre em Dachau, Giovanni Palatucci, o oficial da polícia italiana que salvou a vida a milhares de judeus.
Março inicia-se com a morte de Anne Frank, e prossegue com a ofensiva americana sobre Tóquio e Osaka.
Em dia de S. José, Heinrich Himmler ordena por escrito a Kramer para não executar mais nenhum Judeu.
O mês de Abril empurra a Alemanha para a derrota e Hitler aterrado decreta pena de morte para os comandantes que perdessem os seus domínios, mas os aliados continuam a avançar, e em breve libertam o campo de concentração de Dachau.
Em Portugal, regista-se nova greve dos trabalhadores rurais do Ribatejo e Alentejo. E na América morre o seu presidente Franklin Delano Roosevelt, depois de quatro mandatos.
E o mês termina com a morte de Adolf Hitler.
A 7 de Maio, representantes alemães assinam a capitulação, e no dia seguinte, rendem-se ao general Eisenhower, (EUA) e ao marechal Júkov (Rússia).
No dia da capitulação da Alemanha, Salazar discursa na Assembleia Nacional, e há grande manifestação em Lisboa, pela vitória dos Aliados, de que se aproveitam os oposicionistas.
No dia 19 há nova manifestação, desta vez de apoio a Salazar e Carmona no Terreiro do Paço.
Mas em Junho, novas greves no Alentejo contestam o governo.
A guerra centraliza-se agora no Japão, mas com a autorização do presidente Truman, para o lançamento da bomba atómica sobre o Japão, o seu fim já está sentenciado.
E a 6 de Agosto os E. U. lançam a primeira bomba atómica sobre Hiroshima, seguida de uma segunda 3 dias depois sobre Nagasaki.
O mundo assiste ao horror dos efeitos devastadores desta bomba, e o Japão assina a sua rendição incondicional a bordo do couraçado Missouri, no início de Setembro.
O nosso Manuel, com ordenado certo todas as semanas, e sem a companhia da mãe (Piedade, continuava agarrada à aldeia onde nasceu) tornou-se num homem diferente. Amigo de borga, e de mulheres, gastava o pouco que lhe sobrava, num certo bordel em Lisboa.
Naquele Domingo, o primeiro de Setembro, encontrou no Terreiro do Paço o seu amigo Varandas. Foi uma festa, e Manuel ficou a saber que o amigo estava a trabalhar na Seca de bacalhau do Seixal, com duas das suas cinco irmãs. E logo combinaram um encontro lá no Seixal, no próximo Domingo, para conversarem sobre as suas vidas, desde que deixaram de se ver quando Varandas fora para os Açores.



Às voltas com uma crise aguda de sinusite que me tem posto quase doida, e depois de 2 idas ao médico e de antibióticos, anti-inflamatórios, antialérgicos e etc. estou um pouco melhor e espero voltar a visitar-vos hoje ainda ou o mais tardar amanhã.

Entretanto uma nova postagem desta saga sairá dia 16, pois dia 15 entrarei numa blogagem colectiva.


A todos um bom Domingo. 

7.3.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XVII



foto da net

O ano de 44 começa com um violento tremor de terra em S. Juan na Argentina que matou cerca de 10 000 pessoas.
Na Europa, começa a adivinhar-se a derrota alemã. A Europa já passara e saíra dos piores momentos da ocupação alemã.
Mas em Portugal as condições de vida eram cada dia mais degradantes.
Enquanto o governo exportava para os países em conflito, principalmente para a Alemanha, açúcar, tabaco e volfrâmio, em Portugal havia racionamento para alguns, e fome para a maioria.
Os pobres viam-se privados dos bens mais elementares. E quando um despacho salazarista obrigou à diminuição de salários, a indignação ferveu.
A 3 de Abril estalou a primeira greve no Vale de Santarém, seguida a 8 de Maio por outra em Vila Franca de Xira e Alhandra. A cada greve seguia-se a prisão, a repressão, a GNR, o terror… Em Vila Franca, os operários foram metidos na praça de touros, e depois transferidos para o Governo Civil de Lisboa, e o forte de Caxias.
Mas se a repressão não dava tréguas, a fome também não, e as greves, e marchas contra a fome continuaram.
É nesse ano que o Partido Comunista funda o MUNAF. Movimento de Unidade Nacional Antifascista.
Na Europa, entra-se na fase final da guerra, (terminaria no ano seguinte).
Exército soviético liberta Sebastopol e reconquista a Criméia
Roma é libertada pelos aliados, em Junho. E é também nesse mês que os soldados aliados desembarcam na Normandia, e Londres sofre o primeiro bombardeamento de bombas voadoras V-1.
Por imposição dos Aliados, as exportações para a Alemanha, são interrompidas.
Acabou aqui o jogo sujo de Salazar que enquanto se afirmava neutral, dava apoio aos americanos na base dos Açores e fornecia volfrâmio à Alemanha, onde rapidamente era transformado em projéteis.
No mês seguinte, tropas soviéticas libertam a cidade de Minsk. E Klaus von Stauffemberg é fuzilado em Berlim cinco dias depois de ter atentado contra Hitler.
 O avião pilotado pelo escritor francês Antoine de Saint-Exupéry desaparece no Mediterrâneo, abatido pelos alemães.
Eugénio de Castro morre em Agosto deixando o panorama cultural mais pobre.
 Charles de Gaulle entra triunfalmente em Paris, depois de esta ser libertada, e os soldados franceses retomam a cidade de Marselha.
A 2 de Setembro Anne Frank é enviada para o campo de concentração de Auschwitz.
Dias depois Amália Rodrigues desembarca no Rio com um contrato de 3 semanas que se prolongou por três meses de grande sucesso que levaram à gravação dos primeiros discos da artista.
Em Dezembro a França e a Rússia assinam um tratado de aliança, e ainda em Dezembro morre Glenn Miller.
Na Seca do Bacalhau, Manuel deixara de trabalhar na safra e passara a trabalhar no Armazém da lenha. Na Seca, naquela altura todos os fogões eram a lenha. Entra a “malta” dos homens, e a oficina onde se faziam as peças de serralharia, havia um armazém sempre cheio de troncos de azinheira e pinheiro, que chegavam em camiões e eram depois cortados, rachados e transformados em pequenos cavacos, que eram o combustível, não só dos grandes fogões das “maltas”, mas também de todas as outras casas, e também das duas quintas. O trabalho do Manuel consistia, não só em preparar esses troncos, mas também em transportá-los num carrinho de mão, para todas as cozinhas. Foi nessa altura que ganhou o apelido que o acompanhou o resto da vida, “Manel da Lenha”. E como durante todo o ano havia gente a morar na Seca, o Manuel passou a ter trabalho o ano inteiro.

PRÓXIMA POSTAGEM DIA 10


DESCULPEM A AUSÊNCIA, MAS A SAÚDE ESTÁ A PREGAR-ME UMA PARTIDA. LOGO QUE FIQUE MELHOR VOLTA A VISITAR-VOS.

4.3.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XVI



Foto de Eduardo Martins


Nos primeiros dias de Janeiro, Piedade regressa à terra. Na bagagem levava a lembrança da cidade grande, e do imenso mar, que a rodeava.
Os russos lançam uma ofensiva sobre os alemães em Estalinegrado. O exército alemão, mal preparado para o intenso frio do Inverno russo, cedo claudicou, e a Rússia, retoma a cidade, fazendo 90 mil prisioneiros. Dias mais tarde, é a vez de Rostov. No México, Acapulco é devastada por um terramoto.
A safra do bacalhau termina a 23 de Fevereiro, e o pessoal volta à terra, nesse ano com menos dinheiro, que o Inverno foi chuvoso, e quando chovia, não se trabalhava.  Naquele tempo as estufas ou seca artificial, ainda não funcionavam, e se chovia não se podia estender o bacalhau na rua. Então o pessoal ficava nas maltas sem trabalhar e sem ganhar, mas como é evidente tinham que comer, e lá se iam as migalhas amealhadas. Quando os navios vinham carregados, o trabalho estendia-se por todo o mês de Março e às vezes princípio de Abril. Nessa altura, quando o tempo ia bom, eles faziam serão de manhã e à noite. Começavam a estender o bacalhau na rua às 5 da manhã, para que a seca estivesse cheia ao nascer do sol. E à noite depois de recolher o bacalhau, os trabalhadores faziam serão a lavar mais bacalhau, e a salgá-lo. O bacalhau não ficava seco num dia, nem pouco mais ou menos, mas naquela altura não havia máquinas de lavar o peixe, era lavado um a um numa tina de água com uma escova. Eram tinas compridas meias de água onde se punha o bacalhau tal como era retirado dos navios. De cada lado da tina 6 mulheres munidas de uma escova. Curvavam-se apanhavam o bacalhau pelo rabo e com a escova lavavam-no de ambos os lados enquanto entoavam canções que tornavam as horas mais curtas e o trabalho menos penoso. O bacalhau lavado era depois salgado em grandes pilhas, e assim ficava alguns dias como que fazendo uma cura. Depois desses dias era banhado noutras tinas de água, um banho rápido que consistia em agarrar uns quantos bacalhaus pelo rabo, mergulhá-los rapidamente na água para retirar o excesso de sal e só depois era transportado em carros de mão para as longas mesas de arame para ser estendido.
Quando assim era, trabalhavam desde as 5 da Manhã, até às 10h da noite. E era quando conseguiam ganhar mais qualquer coisa, já que os serões eram um pouco melhor pagos, que os dias. Mas naquele ano, por causa da guerra, e dos submarinos alemães, os navios tinham trazido pouco peixe e o tempo sem trabalharem devido ao mau tempo, fez com que ao acabar a safra, quase não tivessem dinheiro para o comboio de regresso. E o nosso Manuel lá foi de novo para a terra, trabalhar para o Sr. Américo até Setembro.
Em Julho desse ano, os exércitos aliados desembarcam na Sicília, bombardeiam Roma, e Mussolini é destituído.
Simultaneamente em Portugal a degradação das condições de vida, levaram à greve os operários nos dias 28 e 29 desse mesmo mês, um pouco por todo o país mas com especial incidência, nos trabalhadores da CUF. Greve reprimida com violência pela polícia, incidindo inclusive sobre as mulheres e filhos dos trabalhadores.
Em Agosto bombardeiros norte-americanos atacam instalações em Schweinfurt, na Alemanha.
Mussolini é libertado pelos pára-quedistas SS alemães, e proclama a República Social Italiana no norte de Itália.
A 20 de Outubro, a Gestapo prende aquela que ficou conhecida como “o anjo do Gueto de Varsóvia”. Irena Sendler, a mulher que salvou a vida a mais de 2.500 crianças judias.
E o ano vai terminar com um atentado contra Adolf Hitler, no dia a seguinte ao Natal.


Próxima publicação dia 7


TENHAM UM BOM DOMINGO

1.3.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XV


O ano seguinte começou com grande atividade bélica, por parte do Japão, que num só mês invade a Indonésia, conquista Kuala Lumpur na Malásia, invade a Birmânia, e a Nova Guiné.
A guerra prossegue o seu caminho de morte e destruição, em que cada vez mais países se vêem envolvidos.
Com a chegada da Primavera, os bacalhoeiros lá vão de novo para a pesca. O pessoal acabou a safra e a volta à terra faz-se de comboio, como de costume.
Manuel decide ficar uma semana em casa da irmã e finalmente conhece os sobrinhos.
Nasce em Avintes Adriano Correia de Oliveira.
Surge um novo fenómeno religioso. Depois de Fátima e dos pastorinhos, agora é Balasar, uma freguesia da Povoa de Varzim, onde uma mulher paralítica de nome Alexandrina Maria da Costa deixou de comer alimentando-se apenas da comunhão diária.
Alexandrina pedia que o mundo inteiro fosse consagrado ao Sagrado Coração de Maria. Pedido esse que o Papa Pio XII satisfez em Outubro desse ano, nas comemorações dos 25 anos das aparições de Fátima.
Rommel derrota o VIII exército britânico e conquista Tobruk
Um comboio vindo da Holanda traz 559 prisioneiros para Auschwitz. Destes, aproximadamente 200 foram seleccionados para trabalhos forçados, os demais foram executados nas câmaras de gás. Entre eles estavam Edith Stein, (Stª Teresa Benedita da Cruz) e sua irmã Rosa.
Em Junho o lugre bacalhoeiro Maria da Glória é atacado por um submarino alemão ao sul da Groenlândia e afunda-se. Tal como o resto da frota portuguesa, este barco estava pintado de branco e tinha pintado no costado uma enorme bandeira portuguesa que o identificava como barco de um país neutro, mas ou por erro ou vá-se lá saber porquê não escapou à sanha dum submarino alemão. Da tripulação 46 homens no total 2 morreram logo no barco com as primeiras rajadas. Os restantes 44 fizeram-se ao mar, nos pequenos dóris que serviam para a pesca. Porém o mar agitado, as más condições atmosféricas,  e a precaridade das pequenas embarcações, fez com que as pequenas embarcações se dispersassem e ao fim de dez dias apenas fossem encontrados 8 sobreviventes.
Mais tarde em Setembro , outro bacalhoeiro o "Delães" foi afundado por outro submarino, quando já carregado de bacalhau regressava a Portugal. Talvez por saberem o que tinha acontecido com a tripulação do "Maria da Glória" a tripulação do Delães amarrou fortemente os penos dóris entre si, formando um todo compacto que lhes salvou a vida. Foram encontrados por outro bacalhoeiro menos de 24 horas passadas.
Em Novembro, enquanto o Manuel e alguns colegas, procediam à descarga do Creoula, Heinrich Himmler visitou o campo de concentração de Dachau, e seleccionou algumas dezenas de pessoas para experiências médicas. Essas pessoas foram depois deliberadamente infectadas com o vírus da Malária.
Poucos dias depois, tropas alemãs e italianas invadem a França.
Americanos australianos e japoneses defrontam-se na batalha de Guadalcanal.
Poucos dias antes do Natal, estreia no cinema Éden em Lisboa “Aniki Bóbó” de Manuel de Oliveira.
Pela Primeira vez na vida, Piedade saiu da aldeia, e veio de comboio para Lisboa. Laurinda queria que a mãe viesse passar o Natal à sua casa, e até já tinha convidado os irmãos para irem também. Assim naquele dia 22 de Dezembro, ela saía do comboio em Santa Apolónia, onde já a esperava o genro e ficava abismada com o tamanho da cidade. Mas o que mais lhe custou e a deixou apavorada foi o cacilheiro. Era Inverno, o mar estava “picado” e Piedade rezou o tempo todo da travessia.


PRÓXIMA POSTAGEM DIA 4