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30.5.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XXXV

Os filhos do Manuel nesse longinquo de 1956

A 10 de Julho, inicia-se em Estocolmo a primeira parte da 16ª edição  dos Jogos Olímpicos, que continuariam depois em Melbourne de 22 de Novembro a 8 de Dezembro. Nesse mesmo mês são aprovados os estatutos da Fundação Calouste Gulbenkian.  Por essa altura já o Manuel andava às voltas com os fatos de anjo para os filhos mais novos que nesse ano iriam na procissão de Nª Srª do Rosário no Barreiro, para cumprirem uma promessa feita pela mãe quando tiveram a tosse convulsa.  As sandálias já estavam prontas. Tinham sido feitas com um pedaço de cartão grosso e duas tiras de pano de lençol. Mas as asas estavam mais difíceis. Os vestiditos também já estavam que os padrinhos se tinham encarregado disso. Mas enfim quando o dia da festa chegou a promessa foi cumprida.
Ainda em Agosto, e numa tentativa de acalmar os ânimos em África, Craveiro Lopes visita as duas maiores colónias portuguesas. Angola e Moçambique. Tentativa gorada, já que no mês seguinte é Fundado o PAIGC, liderado por Amílcar Cabral e antes de Dezembro chegar a meio aparece o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) chefiado por Agostinho Neto.
Em Setembro Manuel Guimarães consegue enfim estrear o filme “Vidas sem Rumo”, após 4 anos de luta com a censura que cortou grande parte do filme. Nessa altura regressaram os bacalhoeiros, e o movimento voltou à Seca. Por esses dias em Belém era inaugurado o Estádio do Restelo.
A 5 de Outubro estreia o filme “Os dez Mandamentos” e depois disso o cinema nunca mais foi visto da mesma maneira, tal a grandiosidade e efeitos especiais do filme.
Poucos dia depois, a 23 uma manifestação pacífica de estudantes em Budapeste acabou num banho de sangue quando a polícia abriu fogo sobre os manifestantes.
A 29 do mesmo mês, Israel invade a península do Sinai e força a tropa egípcia a
passar para o outro lado do Canal do Suez.
Dias depois o Exercito Vermelho invadiu a Hungria, e derrotou as forças nacionais. Mais de 20.000 morto foi o saldo dessa operação.
Em Dezembro em Lisboa, fazem-se grandes manifestações estudantis contra o decreto lei 40 900 sobre o regime de encerramento das associações de estudantes.

Esta história volta dia 3. Até lá boas leituras e bom fim de semana

27.5.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XXXIV

. A vida continuava imparável lá fora. O novo ano começa com o Sudão a separar-se do Egipto, iniciando uma ânsia de libertação e independência que irá fazer desaparecer a África até aí conhecida e fazer cair os grandes impérios como Portugal. Ainda em Janeiro antes mesmo de ser empossado como presidente do Brasil, Juscelino Kubitshek visita Portugal. Nessa altura já o Manuel andava às voltas com o seu fato e máscara de “careto” com que pretendia brincar no Carnaval. Ele sempre fora um homem alegre, brincalhão e a época carnavalesca permitia-lhe extravasar essa alegria. Sempre fazia máscaras estranhas, deuses ou demónios de um qualquer mundo imaginário, muito parecidas com as máscaras tribais que hoje vemos na televisão.  A morte da mãe, e os problemas de saúde da esposa, levaram-no a interromper essa prática retomada em 56.
Duas semanas depois da tomada de posse JK enfrenta a revolta de Jacarecanga. Acalmados mas não vencidos, os focos de descontentamento entre os militares, iriam persistir e criar novas revoltas.
Dias depois do Carnaval a Inglaterra decreta a abolição da pena de morte.
Na Seca do Bacalhau a vida decorria como sempre. A safra chegava ao fim e parte do pessoal do norte até já tinha regressado às suas aldeias. Os navios já iam a caminho da Gronelândia, quando se dá um acontecimento que iria despoletar toda uma luta de independência nas colónias Africanas. A 2 de Março a França concede a independência de Marrocos e dias depois concede à Tunísia o direito a retomar a sua condição de país independente. África inicia um novo rumo. A marcha para a Liberdade.
Em Abril, Nikita Khrushchev visita a Inglaterra. Anos mais tarde, o dirigente soviético escreveria nas suas memórias, que a rainha britânica “ era o género de rapariga que qualquer rapaz gostaria de encontrar a passear na Rua Gorky, num fim de tarde de Verão”
O IV congresso da União Nacional acontece no final de Maio, e a 10 de Junho é inaugurado em Lisboa o estádio José Alvalade. No barracão o Manuel dava voltas à cabeça para fazer com que o seu magro ordenado desse para as despesas. Antes de ir para o trabalho já deixava metade da horta regada, depois no fim do dia regava a outra metade. Ele sabia que as crianças gostavam das cenouras, tomates e feijão verde crus. Sabia que se tivessem fome e não tivessem pão, teriam sempre um legume à mão. Às vezes uma cebola com sal e vinagre servia de lanche. Por vezes conseguia uns chicharros baratos. Quando “o cerco” era farto, os pescadores davam ou vendiam barato. Nessa altura Manuel escalava-os como se fossem bacalhaus, salgava-os e depois pendurava-os num arame ao ar livre para secarem. Mais tarde coziam-se com batatas e oregãos, e comiam-se temperados com azeite vinagre e alho,  exactamente como se faz com o bacalhau. A carne é que era pior. Ele comprara dois leitõezinhos no mercado de Azeitão. Um morrera pouco depois de ser capado, o outro estava crescido. Mas ainda longe da época da matança. E depois teria que vender uma boa parte das carnes para ter dinheiro para algumas coisas que os miúdos precisavam.




Desejo-vos uma boa semana. Esta história volta dia 30

23.5.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XXXIII



Maio de 55 foi um mês complicado em Portugal, com as greves dos pescadores (de Matosinhos a Portimão) e dos operários fabris das grandes fábricas do Barreiro. Enquanto isso lá fora chega ao fim o regime de ocupação da RFA, e esta ganha o estatuto de estado Soberano e pede adesão à Nato. URSS, a Albânia, a Bulgária, a Checoslováquia, a Hungria, a Polónia e a Roménia, unem-se no Pacto de Varsóvia.
Em Junho na Conferência de Messina, chega-se a acordo para a criação de um Mercado Comum. E a América garante à RFA ajuda para a criação de um exército próprio.
O mês de Julho trás a remodelação governamental e Marcelo Caetano assume o cargo de ministro da presidência. Pinto Barbosa nas Finanças, Raul Ventura no Ultramar e Leite Pinto na Educação. Foi a primeira vez que Manuel ouviu falar do Marcelo Caetano.
Em Genebra, encontram-se Eisenhower, Bulganine, Eden e Faure.
Ainda em Julho morre Calouste Gulbenkian. Azeredo Perdigão é o testamenteiro, e leva para a Fundação Franz Paul de Almeida Langhans que fora secretário pessoal de Salazar.
A 5 de Agosto, dá-se a assinatura do Acordo Monetário Europeu que, a partir de 1959, substituirá a União Europeia de Pagamentos. E dias depois Nehru corta as relações diplomáticas com Portugal. A frase “Nós não estamos dispostos a tolerar a presença dos portugueses em Goa, ainda que os goeses queiram que eles aí permaneçam” causou mau estar em Lisboa. No dia 20 do mesmo mês a União Indiana encerra o seu consulado em Goa.
No dia 27 no Rio de Janeiro era constituída uma Confederação Anticomunista Interamericana participada por vinte países.
Em Setembro começaram a chegar os bacalhoeiros e a vida na Seca voltou a ganhar animação. Desta vez porém alguns companheiros começaram a falar de prisões, e de outros que não sabiam onde tinham ido parar. Falavam em sussurro e olhando-se de soslaio, desconfiando uns dos outros. O Manuel ficou triste. E teve medo. Medo dos desabafos que às vezes tinha e do que isso poderia causar de dano para os seus. Apertou os punhos amordaçou as palavras e deixou de se queixar.
Em Moscovo Adenauer estabelece relações diplomáticas com a URSS.
Enquanto isso, na Argentina um golpe militar depôs Juan Domingo Perón, presidente do país. Ele só voltaria a governar o país depois de um exílio de 17 anos na Espanha.
E o mês de Setembro termina com a morte de James Dean, ídolo do cinema e a personificação da rebeldia para muitas gerações de adolescentes, num acidente fatal, com apenas 24 anos ao volante do seu Porsche prateado.
Juscelino Kubitshek é eleito presidente do Brasil em Outubro. A URSS repatria os últimos prisioneiros de guerra alemães. Enquanto isso no Alentejo os trabalhadores rurais lutam contra o desemprego. E em Luanda é fundado o Partido Comunista Angolano. O padre Joaquim Rocha Pinto de Andrade é a figura mais preponderante do partido. Cria escolas clandestinas, e bibliotecas móveis, nos bairros periféricos de Luanda, Catete e Malange.
A entrada de Portugal na ONU é votada em Dezembro desse ano. E o comité de ministros do Conselho da Europa adopta a bandeira azul com doze estrelas amarelas como emblema da Europa.







Esta história estará de regresso dia 27. 
Tudo de bom para vós e até lá.

20.5.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XXXII


Manuel fez dois moldes redondos de madeira, um com menos 8 cm de diâmetro que o outro. Vedou frinchas e untou com sebo, o maior por dentro e o mais pequeno por fora. Meteu um dentro do outro e encheu o espaço entre os dois com uma liga de cimento água e areia. Quando o cimento secou, tirou os moldes e com a ajuda da mulher e do cunhado rodou-o para o sítio onde ia começar a cavar. Tinha 1m de altura e 1,5m de diâmetro. Depois utilizando os mesmos moldes fez outro anel e enquanto ele secava, meteu-se dentro do primeiro e começou a cavar e a encher baldes de terra que a mulher e os cunhados se revezavam para vazar noutro sítio. Manuel ia cavando, e a borda de cimento que formava o poço ia descendo acompanhando o buraco. Quando a parte de cima ficou ao nível do chão, Manuel parou de cavar pôs sobre o primeiro o segundo anel que entretanto já secara. Depois uniu-os com cimento. E assim foi continuando, ora construindo um novo anel, ora cavando de novo. Entretanto montou um tripé com uma roldana, e uma corda para puxar os baldes de terra. Claro que este trabalho era feito à tarde, depois do dia de trabalho, e sobretudo ao fim de semana. Este processo foi repetido meticulosamente. A 4 metros começou a aparecer água. E para espanto daqueles que não acreditavam a água era ótima. Manuel ainda continuou a cavar mais 2 metros. Este último pedaço foi o mais difícil e trabalhoso, já que era necessário tirar não só a terra que ele ia cavando, mas também a água que ia enchendo o poço, para que pudesse continuar cavando. Foi montada uma nova roldana, e o cunhado foi também para dentro do poço. E iam escoando água num balde e a terra no outro.
Por esses dias morria em Princeton, vítima de um aneurisma Albert Einstein, o grande génio do séc. XX.
 Sem saber sequer quem era Einstein, Manuel dedicava-se com empenho e vigor à construção do poço que terminou nos finais de Abril.
Mas nessa altura o Manuel deu-se conta de que precisaria fazer um tanque para armazenar a água.
Tinha ainda um saco de cimento mas precisava comprar alguns tijolos e uns tubos. O dinheiro escasseava, mas o tanque era essencial e se o fizesse pegado ao poço aproveitava a parede deste e economizava no material.
E foi assim que nos primeiros dias de Maio começou a construir o tanque deixando um buraco redondo junto ao fundo por onde meteu uns tubos de ferro comprados no ferro velho, que se estendiam pelo terreno levando a água aos carreiros por onde seguia até ao ponto mais distante do terreno que se dispôs a cultivar. Assim depois de encher o tanque a balde, com a ajuda de uma roldana, abria a água e a regra era mais rápida e mais fácil. Normalmente o cunhado ficava junto ao tanque, e abria ou fechava a água às ordens do Manuel. Para que não se gastasse mais do que o preciso para cada leira e não ficasse a terra demasiado encharcada. Além disso o tanque também servia para dar banho às crianças no Verão e também para a mulher lavar a roupa.


BOM DOMINGO

17.5.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XXXI


 Foto DAQUI

A década de 50 estava exactamente a meio. Mas se na Europa que tentava a todo o custo curar as feridas da Segunda Grande Guerra as coisas não estavam fáceis, em Portugal aliavam-se a essas dificuldades a repressão do governo Salazarista.
Norton de Matos morre a 2 de Janeiro e três dias depois a PIDE inicia uma vaga de prisões que se estende até Fevereiro. Nesses dias chegou ao Barracão outro cunhado do Manuel. António era um rapaz espigado e brincalhão. Tinha saído da terra na esperança de arranjar uma vida melhor. Dias depois trabalhava na Seca. Também por esses dias a filha mais velha trouxe da escola uns visitantes indesejados. Uma praga de piolhos que antes que eles dessem conta já tinham infestado as três crianças e o tio. Manuel foi à drogaria e comprou uns pacotes de DDT que a mulher nessa noite espalhou nas cabeças de todos, adultos e crianças, e cobriu depois com uma espécie de turbantes feitos com bocados de lençol velho, e todos foram dormir assim. No dia seguinte as cabeças foram lavadas e os piolhos desapareceram. Eles não sabiam mas nessa noite todos correram risco de envenenamento por DDT. Felizmente nada lhes aconteceu. Também por esses dias o poço que o Manuel abrira no Verão anterior abateu. As tábuas velhas não aguentaram as pesadas chuvas desse Inverno. Manuel jurou a si próprio que abriria outro, mas desta vez de modo que não se desmoronasse. Em Fevereiro dezenas de estudantes, especialmente no Norte do País entre os quais se encontrava Agostinho Neto foram presos.
Em Março com o acabar da safra do bacalhau e a partida dos barcos Manuel ficava com mais tempo livre. É certo que o seu trabalho no armazém da lenha continuava 8 horas por dia, 6 dias por semana. Mas os dias estavam a crescer, e das cinco até anoitecer ainda dava para roçar os silvados à volta da casa, cavar e semear. O problema da água seria resolvido com a construção do novo poço. E então Manuel deitou mãos à obra. Como o primeiro poço estava muito perto da porta de casa e a água era um pouco salobra, ele resolveu procurar outro sítio. Começou por roçar um silvado, sob o qual acreditava passar um veio de água doce.  Na Seca diziam-lhe que não era possível encontrar água a tão poucos metros do rio, a não ser salgada. Com um pouco de sorte encontraria água igual à anterior.  Mas Manuel era um homem de fé. E acreditava que algures por ali perto passaria agua não só boa para a horta, mas também para cozinhar e evitar que a mulher tivesse que andar a carregar bilhas de água de tão longe para a comida.Ele sabia usar a vara bifurcada, ensinara-lhe um velhote na terra,  ainda ele não usava calças. E a vara dizia-lhe que ali havia água. 

13.5.12

13 DE MAIO DIA DE Nª. SRª. DE FÁTIMA E DIA DAS MÃES

Em Portugal, hoje 13 de Maio é o dia de Nª Senhora de Fátima, de quem sou devota. No Brasil assim como em grande parte do mundo hoje é o dia da Mãe. Para mim bem como para todos os que são católicos nenhum outro dia seria mais significativo para festejar o dia das mães. A final esta é a nossa mãe suprema, aquela a quem sempre recorremos quando nos sentimos mais fracos. Sem desmerecer do amor que nos une áquela que nos carregou no ventre e nos trouxe à vida. Afinal ela também recorre à Virgem tantas vezes para pedir proteção para nós.


Aqui fica pois a minha homenagem a todas as mulheres que foram são ou serão mães algum dia. Bem Hajam. Vós sois o pilar da humanidade.  Para todas deixo estas flores, e o desejo de que a Virgem Maria nos proteja a todas.

10.5.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XXX


 Getúlio Vargas  - foto da net


A 24 de Agosto desse mesmo ano Getúlio Vargas, o presidente do Brasil suicida-se. Deixa uma carta-testamento que emocionou meio mundo, e da qual aqui fica um breve trecho.

"E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.” (Rio de Janeiro, 23/08/54 - Getúlio Vargas)
 Ainda nesse mês Portugal perdeu o território de Nagar-Aveli, anexado pela União Indiana. Antes em Julho já tínhamos perdido Dadrá.
 No inicio de Setembro, a filha mais velha do Manuel foi matriculada na escola na Telha. As aulas começavam em Outubro e todas as crianças com 7 anos eram matriculadas. A garota nascera em Setembro fazia os 7 anos nessa altura. A escola, uma sala única, numa antiga vacaria era mista. Nela rapazes e raparigas, desde a primeira à 3ª classe, com uma única professora. Era um bocado distante do barracão mas a miúda estava habituada ao caminho desde pequena. E depois havia outros garotos filhos do pessoal que vinha para a safra do Bacalhau.
 E enquanto a vida na Seca retoma a normalidade com a chegada dos navios e o inicio da Safra, lá longe na China Mao-Tsé-Tung abre a Sessão da I Legislatura da Assembleia Popular da China e adopta nova Constituição. Pouco depois é reeleito como presidente para um mandato de mais 4 anos.
 Em Outubro Amália grava em Nova Iorque o seu primeiro álbum, fruto do sucesso da cantora que nessa altura actuava no club “La Vie En Rose” partilhando o palco com Edith Piaff e Marlene Dietrich.
 A 6 de Novembro, um tornado de grande intensidade (F3) atingiu Castelo Branco tendo provocado 5 mortos e 220 Feridos.
 Manuel era um apaixonado por futebol e o F. C. Porto o seu clube do coração. Assim sendo foi para ele uma grande alegria o 1º de Dezembro desse ano, pois foi nesse dia a inauguração do novo estádio do Benfica, mais tarde conhecido pelo estádio da Luz. O jogo de inauguração, Benfica – Porto terminou com o resultado de 1-3.
 A 6 do mesmo mês, nasceu em Lourenço Marques um menino que, anos mais tarde, iria encantar-nos com a sua versatilidade, e o seu talento. António Feio.
 Este foi um ano importante para as letras. Agustina Bessa Luís publica “A Sibila” e Virgílio Ferreira “Manhã Submersa”. Ernest Hemingway ganha o Nobel da Literatura.
 E antes do ano acabar os cientistas descobrem que o Universo nasceu de uma gigantesca explosão Cósmica o “Big Bang” ocorrida  à 5,5 biliões de anos. No barracão Manuel ouviu a notícia e incrédulo foi contar à mulher. E é claro que ela não acreditou.
Como podia ser verdade se o mundo ainda não tinha 2000 anos ?


Esta história só voltará no dia 17, já que dia 15 estarei participando da blogagem coletiva.
Para todos um bom fim de semana

7.5.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XXIX


"a frigideira" Sala de torturas do Tarrafal. A foto penso que seja de António Costa da Silva e  foi tirada DAQUI .

O ano de 1954 começou com grande agitação no Brasil. João Goulart imprime ao Ministério do trabalho um rumo que visa implantar no Brasil uma República Socialista, e isso causa inquietação e preocupação às forças militares que irão lançar em Fevereiro o “manifesto dos coronéis”. Precisamente no mês em que Goulart propõe um aumento do salário mínimo em 100%.
 Ainda em Janeiro, russos e americanos reúnem-se para discutir a proibição das armas atómicas.
 Enquanto isso encerra em Cabo Verde, o Campo de Concentração do Tarrafal. O “Campo da Morte Lenta” como lhe chamavam, ganhou esse nome, porque os prisioneiros submetidos a maus tratos, má alimentação, e clima insuportável, iam morrendo lentamente. Reabriria em 61
 Para acolher os presos políticos dos movimentos de libertação das colónias.
 O mês de Fevereiro começa com uma vaga de frio que assola toda a Europa. Portugal não escapa ao frio e a 2 de Fevereiro nevou durante várias horas em todo o país. Lisboa, foi surpreendida por um extenso manto branco, e até o Algarve foi invadido pela neve. Na Seca o pessoal ficou sem trabalho durante vários dias. A água congelou nos canos. No barracão o frio intenso entrava por todas as frestas da madeira, e as mantas de trapo não conseguiam aquecer os habitantes, que de dia se juntavam à roda do fogo e de noite se agrupavam nas camas para se aquecerem uns aos outros.
Em Paris Chanel reabre a sua casa, fechada desde o início da guerra.
 A meados de Março, termina a safra do bacalhau e o Manuel agora com mais tempo livre e os dias a crescer tem uma ideia fixa. Tem que abrir um poço. E como a ideia não lhe saia da cabeça, e seguindo o método da vara que aprendera na terra, achou que tinha água mesmo à porta do barracão.
 Levantava-se cedo, e começava a cavar. E quando chegava do trabalho e até ao sol-pôr pegava na enxada e o buraco estava cada dia mais fundo, perante a aflição da mulher com medo que o terreno desabasse e o marido ficasse lá sepultado. Pensando nisso o Manuel conseguiu que o patrão lhe desse umas tábuas que não serviam para os botes, e construiu uma espécie de caixa quadrada sem fundo que ficou escorando o buraco. Na verdade conseguiu água a 3 metros de profundidade. Era um pouco salobra, mas potável.
 Agora já podia plantar umas couves, tomates, alfaces, cebolas, feijão verde… Era uma grande ajuda.
 A 3 de Abril, morreu em Lisboa no hospital dos franciscanos Aristides de Sousa Mendes. O homem que salvou milhares de vidas, resgatando-as das garras nazis dando-lhes passaportes portugueses. Entre essas vidas estava Ilse Losa que haveria de ser anos mais tarde uma famosa escritora. Perseguido pelo regime de Salazar, aquele a quem apelidaram de o Schindler português, morreu na maior miséria, tendo sido enterrado com o hábito franciscano, por não ter na altura sequer um fato próprio. Nesse mesmo mês é inaugurada a linha aérea Lisboa – Luanda com a TAP a aterrar pela primeira vez na capital angolana.
 A 19 de Maio, em Baleizão, no Alentejo, uma ceifeira analfabeta de 26 anos, de seu nome Catarina Sabino Eufémia, foi assassinada com tiros à queima-roupa por um oficial da GNR, o tenente Carrajola, durante uma manifestação que reivindicava um aumento salarial de dois escudos pela jorna. O Manuel soube disso dias depois pelo Varandas. Ele conhecia alguém que sabia tudo o que se passava e queria apresentá-lo ao Manuel. Mas ele não quis. “Quando temos 5 pessoas que dependem de nós para comer, não podemos dar-nos ao luxo de arriscar a nossa vida porque ela não nos pertence.” – Dissera ele ao cunhado.
 Ainda nesse mês o Manuel construiu uma Galena. Era um aparelho muito rudimentar, mas que dava para ele ouvir à noite as notícias e os relatos de futebol. Mal sabia ele que na América há muito havia Televisão e a NBC iniciava nesse ano as emissões a cores.
 No inicio de Julho a Alemanha vence o campeonato mundial de futebol, ao derrotar a Hungria por 3-2 depois de ter estado a perder por 2-0. E Elvis grava o seu primeiro disco.


Tenham uma ótima semana

6.5.12

FELIZ DIA DAS MÃES

Para todas as amigas que por aqui passam. Para aquelas que foram mães, e viram partir os seus filhos , para as que são mães e para as que um dia o serão. Dia das mães não é hoje. Dia das mães é desde o dia que toma conhecimento de que o vai ser até ao último suspiro de vida. Nesse intervalo fica toda a sua vida.
Para todas deixo aqui um dos textos mais belos que já li em toda a vida. Um pouco longo talvez mas vale a pena


ROSAS VERMELHAS
Nasci em Maio, o mês das rosas, diz-se. Talvez por isso eu fiz da rosa a minha flor, um símbolo, uma espécie de bandeira para mim mesmo.

E todos os anos, quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, no dia 12 de Maio, às dez e um quarto da manhã (que foi a hora em que eu nasci), a minha mãe abria a porta do meu quarto, acordava-me com um beijo e colocava numa jarra um ramo de rosas vermelhas, sem palavras. Só as suas mãos, compondo as rosas, oficiavam nesse estranho silêncio cheio de ritos e ternura.

Nesse tempo o Sol nascia exactamente no meu quarto. Eu abria a janela. Em frente era o largo, a velha árvore do largo dos ciganos. Quando chegava o mês de Maio, eu abria a janela e ficava bêbado desse cheiro a fogueiras, carroças e ciganos. E respirava o ar de todas as viagens, da minha janela, capital do mundo, debruçado sobre o largo onde começavam todos os caminhos.

E tudo estava certo, nesse tempo, ou, pelo menos, nada tinha o sabor do irremediável. Nem mesmo a morte da minha tia. Por muito tempo ela ficou nos retratos e no jardim, bordando à sombra das magnólias, andando pela casa nos pequenos ruídos do dia-a-dia, até que, pouco a pouco, se foi confundindo com as muitas ausências que vinham sentar-se na cadeira, onde, dantes, minha tia se sentava.

E eu dormia poisado sobre a eternidade, como se tudo estivesse certo para sempre, eu dormia com muitos olhos, muitos gestos vigilantes sobre o meu sono. Por vezes tinha pesadelos, acordava, inquieto, a meio da noite, qualquer coisa parecia querer despedaçar-se e então exclamava:

- Mãe!

E logo essa voz, tão calma, entrava dentro de mim, mandava embora os fantasmas, e era de novo o meu quarto, a doce quentura da minha casa no cimo da ternura.

Não havia polícia nesse tempo. Ninguém roubaria a tranquilidade do meu sono, ninguém viria a meio da noite para me levar, porque bastava eu chamar:

- Mãe!E logo uma voz, tão calma, mandava embora os fantasmas. E era a paz, nesse tempo, em que todos os anos, quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, o dia 12 de Maio, às dez e um quarto da manhã, a minha mãe abria a porta do meu quarto e colocava, religiosamente, um ramo de rosas vermelhas sobre a minha vida, nesse tempo, em que dormir, acordar, nascer, crescer, viver, morrer, eram um rito no rito das estações.

Em Maio de 1963 eu estava na cadeia. Por vezes, a meio da noite, um grito abalava as traves da minha cabeça, direi mesmo da minha vida, e eu acordava suado, dolorido, como se um rato (talvez o medo?) me roesse o estômago. E era inútil chamar. Onde ficara essa voz que dantes vinha repor o sono no seu lugar, repondo a paz dentro de mim? E as manhãs penduradas no mês de Maio, onde acordar era uma festa? Onde ficara a ternura? Onde ficara a minha vida?

Em Maio de 1963 eu estava na cadeia. Dormia – como direi? – acordado sobre cada minuto. Tinha aprendido o irremediável. Alguma coisa, dentro de mim, se despedaçara para sempre (para sempre? Que quer dizer para sempre?). Era inútil chamar. Tinha aprendido, fisicamente, a solidão. Embora na cela do lado, alguém, batendo com os dedos na parede, me dissesse, como se fosse a voz longínqua do meu povo:

- Coragem!Eu estava, pela primeira vez, fisicamente só, dentro do meu sono povoado por esse grito que estalava por vezes as traves da minha cabeça (onde essa voz que mandava embora os fantasmas?).

E era terrível essa manhã sem manhã, essa realidade branca e gelada, toda feita de paredes, grades, perguntas, gritos. Mesmo que na cela do lado, alguém, batendo com os dedos na parede, me dissesse:

- Bom dia!era terrível acordar nessa estreita paisagem com sete passos de comprimento por sete de largura, tão hostil, tão dolorosa como as regiões dos pesadelos. Porque acordar era ter a certeza de que a realidade não desmentiria o pesadelo.

Mesmo que os meus dedos batendo na parede transmitissem notícias dum homem que podia responder:

- Bom dia!de cabeça erguida era terrível acordar no mês de Maio, com a certeza de que no dia 12 a minha mãe não entraria pelo meu quarto, deixando-me na fronte um beijo, e rosas vermelhas sobre os meus vinte e sete anos.

Talvez seja preciso renunciar à felicidade para conquistar a felicidade. Eu estava na cadeia em Maio de 1963. Tinha aprendido a solidão. Tinha aprendido que se pode gritar com todas as nossas forças quando se acorda a meio da noite com um grito na cabeça e um rato (talvez o medo?), roendo-nos o estômago, que ninguém, ninguém virá repor a paz dentro de nós. E, então, é a altura de saber se as traves mestras dum homem resistirão. Pois só a tua voz, amigo, responderá ao teu apelo torturado na noite. E, nessa hora (a mais solitária das horas), se conseguires cerrar os dentes, dar um murro na parede, acender um cigarro, se conseguires vencer esse encontro com a solidão no mais fundo de ti próprio, com que alegria, com que estranha alegria, na manhã seguinte, tu responderás:

- Bom dia!,mesmo que seja terrível acordar no mês de Maio, nessa estreita paisagem, gelada e branca, com sete passos de comprimento por sete de largura.

É certo que se podem escolher outros caminhos. Mas poderia eu ter escolhido outro caminho? Acaso poderia dormir descansado, onde quer que estivesse, sabendo que algures, na noite, há homens que batem, há homens que gritam?

Os fantasmas tinham entrado no meu sono, invadiram a minha casa no cimo da ternura; os fantasmas eram donos do País. E se eles viessem de repente, a meio da noite, e eu chamasse:

- Mãe!A voz (tão calma) de minha mãe já nada poderia contra eles. Era um trabalho para mim, uma tarefa para todos aqueles que não podem suportar a sujeição. Eu nunca pude suportar a sujeição. Acaso poderia ter escolhido outro caminho?

Por isso, em Maio de 1963, eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto.

No dia 12 não acordei com o beijo de minha mãe.Porém, nessa manhã (não posso dizer ao certo porque não tinha relógio, mas talvez – quem sabe? -, às dez e um quarto, que foi a hora em que eu nasci), o carcereiro abriu a porta e entregou-me, já aberta, uma carta de minha mãe. E ao desdobrar as folhas que vinham dentro do sobrescrito violado, a pétala vermelha, duma rosa vermelha, caiu, como uma lágrima de sangue, no chão da minha cela.

Manuel Alegre "A praça da canção"

3.5.12

MANUEL OU A SOMBRA DE UM POVO - PARTE XXVIII


A mulher do Manuel esteve 45 dias no hospital. As crianças, incluindo o cunhado foram cuidadas pelo irmão João e pela mulher deste Palmira. Na verdade as crianças até gostaram daquele tempo. A casa dos tios era de pedra, tinha até luz eléctrica, e depois havia os primos e as outras crianças vizinhas para brincar. O Manuel ia sempre que possível ver a mulher. Fora-lhe feita uma histerectomia total com anexotomia bilateral. Já não tinha hemorragias, e a anemia estava quase curada. Mas o médico dissera que não podia voltar a ter filhos.
 Ele não se importava. O que ele queria era saúde para trabalhar e não faltar com o pão aos que tinha. O resto pouco lhe importava.
 Quando a mulher veio para casa, já não parecia a mesma. Ela estava triste. Sem instrução pensava que já não prestava como mulher, por ter a barriga “vazia” Na verdade muitos anos mais tarde ainda dizia que deixara de ser mulher com 27 anos…
 Estávamos no final de Junho, e a vida retomava o seu curso no velho barracão.
 Enquanto isso no Alentejo mais de vinte mil trabalhadores entravam em greve.
 Em Julho desse ano, um grupo de trinta intelectuais cubanos, liderados por Fidel Castro, nessa altura um jovem com 26 anos, tentaram assaltar o quartel Moncada a 30Km da capital.
 Ainda nesse mês o Armistício de Pan Mum Jon põe fim à guerra da Coreia.
 No final de Agosto, chegou o primeiro bacalhoeiro, e o José Varandas veio com a novidade de que a mulher estava outra vez “prenhe”.
 No barracão do Manuel a mulher estava fisicamente recuperada, e preparava-se para a nova safra que se iniciaria em breve.
 E em Espanha é assinada a concordata com a Santa Sé.
 Ao mesmo tempo que o primeiro bacalhau era descarregado do Hortênsia, François Mitterrand demite-se do governo, e no dia seguinte entra em vigor a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
 Dias depois Nikita Khruchtchev sobe ao poder. Eram os últimos dias de Verão.
 Em Outubro Adenauer é reeleito chanceler da RFA.
 As eleições em Portugal chegam em Novembro, com a oposição, mobilizando personalidades, como Cunha Leal, e Mendes Cabeçadas, entre outros. Ainda em Novembro dá-se a explosão na fábrica de material de guerra, de Braço de Prata. Rescaldo 12 mortos e duzentos feridos.
 No Natal desse ano, os sogros do Manuel vieram passar a consoada com eles. Trouxeram uns chouriços, queijo e figos. Mimos a que as crianças não estavam habituadas mas que adoraram.
 E antes de o ano acabar, a União Indiana inicia o bloqueio naval a Goa.



Esta historia voltará dia 6.  Espero que continue a agradar-vos. Bom fim de semana

1.5.12

1º DE MAIO - DIA DO TRABALHADOR




Difícil escrever sobre o dia do trabalhador, numa altura em que neste país há cada dia mais gente sem trabalho.
O ano passado fiz um post sobre as origens deste dia, que podem ler aqui.Durante longos anos os portugueses não puderam comemorar o 1º de Maio. Depois do 25 de Abril, o 1º de Maio diz quem o viveu que nunca o esquecerá. Infelizmente , aquilo que devia ser um direito de todos, - o trabalho - transformou-se num artigo de luxo a que cada vez menos gente tem acesso. Os ex-trabalhadores perdem-se em longas filas no centro de emprego, os filhos vão para a escola sem comer, e até correm o risco de perder as casas por não conseguirem pagar as prestações.
E o dia que devia ser uma comemoração de direitos adquiridos, é cada dia mais uma jornada de luta, por direitos sonegados em nome de uma crise, que não é para todos.
 Hoje mais do que nunca é uma jornada de luta. Pelo direito ao trabalho que lhes foi sonegado Pelo direito a uma vida digna. Deixo-vos com um dos meus poemas, que os meus leitores mais antigos já conhecem, mas que a maioria de vós decerto não conhecerá.



HOJE COMO ONTEM
Hoje como ontem companheiro
queremos encontrar a verdade,
a saída para esta angústia
que grassa
as nossas feridas ainda mal cicatrizadas.


Hoje como ontem companheiro
os homens não são homens.
São brancos, pretos, amarelos
são ricos, remediados e mendigos,
são exploradores ou explorados
são chineses e ciganos
polícias e ladrões
mas não são homens...


Hoje como ontem companheiro
temos que encontrar o caminho
que há lobos esfaimados à nossa volta
esperando implacáveis o momento
de nos destruir.


Mas hoje como ontem companheiro
as nossas mãos unidas hão-de gritar
a nossa força.
Ainda que o medo sele os nossos lábios
ainda que a raiva cegue os nossos olhos
ainda que nos queiram algemar o pensamento
as nossas mãos unidas
ninguém há-de separar.
Elvira Carvalho 


TENHAM UM BOM DIA