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31.10.17

A RODA DO DESTINO - PARTE XLIX






Mais tarde, apaziguado o vendaval da paixão, Anete repousa a cabeça no peito masculino. Com a mão, Salvador contorna-lhe o rosto numa suave carícia.
-És incrível querida. Uma autêntica caixinha de surpresas. Porque é que não me contaste?
- Se te tivesse contado, acreditavas?
- Sinceramente não sei. É tão surreal. Afinal estiveste casada mais de três anos. O que aconteceu? O teu ex-marido, é gay?
-Não. O nosso casamento foi um erro arranjado pelos nossos pais, e até pelos meus irmãos. Nós éramos inseparáveis, e eles pensaram que nos amávamos. E nós nem pensámos nas implicações de um casamento. Na intimidade. Estávamos entusiasmados com a festa, os convites, todas aquelas coisas que fazem parte  da cerimónia. Demos pelo erro na noite de núpcias. Afonso era para mim, o meu terceiro irmão, e eu era a irmã que ele nunca teve. Só a ideia de irmos para a cama juntos, nos pôs doentes. Sentá-mo-nos e combinámos que íamos preparar a família para o divórcio. O coitado dormiu no chão a semana toda, que estivemos no hotel, em lua-de-mel. Nunca pensámos estar casados tanto tempo, mas o pai dele adoeceu gravemente, não podíamos dar-lhe semelhante desgosto. Depois ele foi piorando e quando morreu a mulher teve uma grave depressão, esteve muito mal. Precisava da nossa ajuda, não era hora de pensar em nós, nem de sermos egoístas. Quando ela melhorou, pudemos enfim pensar em nós. O nosso divórcio, apanhou toda a gente que nos conhecia de surpresa. Todos pensavam que éramos um casal modelo. A minha ex-sogra, culpou-me pelo divórcio. E como mora na vivenda ao lado, da casa dos meus pais, era difícil ignorá-la. Essa foi uma das razões, que me levaram a vir viver para Lisboa. Já pensaste que se não viesse para cá, nunca me terias visto,  eu não saberia a minha história, não conheceria a minha irmã, nem estaria agora aqui?
- Querida, a minha mãe dizia, que quando um bebé nasce, põe em movimento a roda do destino. Ela pode sofrer desvios, pode entrar por atalhos, mas sempre encontra o seu caminho, e só pára, quando se dá o último suspiro. A tua andou por vários atalhos, mas agora encontrou a sua estrada. Nos meus braços, na minha vida. Vamos casar tão rápido, quanto a burocracia dos papéis nos deixe. Vamos procurar uma casa na periferia com bastante espaço, e um jardim para as crianças brincarem, e vamos ser muito felizes, mas agora…
Calou-se e começou a beijá-la, lentamente traçando um rasto de beijos, do rosto ao pescoço, e continuando a descer na direção dos seios.
-Agora? - Perguntou ela num sussurro, afagando-lhe a nuca.
- Vamos voltar a fazer amor, - respondeu as mãos movimentando-se pelo corpo feminino,em carícias apaixonadas, a boca descendo para o rosado mamilo...




Epílogo



Seis anos mais tarde, Anete, mais madura e mais bonita do que nunca, está sentada na plateia do salão de festas da escola, que as gémeas, Antónia e Maria frequentam.
Anete é uma mulher feliz. Adora o marido, tem uma excelente relação de amor e respeito com os irmãos, e duas filhas que são o seu enlevo. Duas vezes por mês a família vai passar o fim de semana a Coimbra, com os pais que adoram as gémeas. Três anos antes, Afonso conseguira enfim convencer Sara da sinceridade do seu amor. Anete e o marido foram convidados para padrinhos e Salvador, ciente do carinho fraternal que toda a vida unira a sua esposa, ao ex-marido,  aceitara sem problemas. Até a ex-sogra, vendo a felicidade do filho, acabou por aceitar que o divórcio dos dois, tinha sido um bem para ele.
Dentro em pouco, vai começar a festa que todos os anos a escola realiza antes do início das férias de Natal. As gémeas vão exibir-se com um número de ballet. Estavam tão bonitas nos seus tutus de tule, e tão nervosas que quase não conseguiam apertar as sapatilhas.
A seu lado, duas cadeiras estão vazias. Salvador foi buscar o pai que queria ver as netas dançar, e estão atrasados. Anete sorri ao lembrar-se da surpresa do sogro a primeira vez que a viu, quando Salvador lhe foi comunicar o casamento. O homem quase tinha um ataque, pensando tratar-se de Ana Clara.Viúvo, há quase vinte anos, e muito independente, o sogro continuava a viver sozinho, negando o convite dos filhos para viver nas suas casas.
O espetáculo está quase a começar, e Anete pensa que as meninas vão ficar tristes, se não virem o pai. Ana Clara e Raul não estão presentes. Os seus filhos também têm festa nesse dia, mas como são mais velhos já frequentam outra escola.
Eis que Salvador e o pai chegam. Anete levanta-se para os receber e lhes dar passagem. Sentado a seu lado, o marido sussurra-lhe:
- Desculpa querida. Está um trânsito infernal. Como estão as princesas?
- Nervosas, com medo que não chegasses a tempo. Mas vai correr tudo bem, agora que chegaste. Olha tenho um presente para te dar.
-Um presente de Natal? - Perguntou sorrindo.
-Não tão depressa. Digamos é mais um presente de Verão... – Pegou na mão do marido e colocou-a sobre o seu ventre.- Acabei de descobrir que a família vai aumentar.
- És uma bruxinha - sussurrou emocionado. - Dizes-me isso aqui, na frente desta gente toda? Sabes o que me apetecia fazer, para festejar? - Disse roçando os lábios pela orelha feminina.
-Sei,- disse sentindo o rosto afogueado. Quero o mesmo.
Nesse momento, ao som da Valsa da Bailarina, as gémeas entraram no palco a dançar. Com a mão presa, na do marido, e os olhos nas meninas, que evoluíam graciosamente no palco, Anete elevou aos céus uma prece de agradecimento pela enorme felicidade que sente.





FIM


Elvira Carvalho


E pronto, foi mais uma história que acabou. Eu sei que alguns de vós, quereriam que tivesse acabado bem mais depressa. Mas eu ainda tenho o sonho de um dia, escrever um romance.  Daí que vá trabalhando as emoções dos personagens, e nisso ocupe alguns capítulos, nestas histórias. Como um ensaio.  Espero sinceramente que tenham gostado desta história. 




A RODA DO DESTINO - PARTE XLVIII


Já na sala, Salvador perguntou:
- Gostaste do dia? Estás feliz?
- Foi um dia maravilhoso. És um homem perigoso, sabes como conquistar uma mulher. Não sei onde arranjar forças para te resistir.
- Não precisas resistir, - disse olhando-a muito sério. - Eu amo-te.
Nervosa, sem querer acreditar no que acabara de ouvir, disse:
- Não brinques comigo, Salvador.
Ele pôs-se de pé. Pegou-lhe nas mãos e puxou-a para si. Abraçou-a. Levantou-lhe o queixo, pedindo.
-Olha para mim, Anete. Parece-te que estou a brincar? Nunca falei tão a sério em toda a minha vida.
- Mas disseste que não sabias definir o que sentias por mim. Que estavas confuso.
-Que querias que te dissesse, se lia nos teus olhos que estavas com medo e querias fugir de mim? Não sei que desilusão matou a tua confiança, nem porque és tão insegura, mas sei que pelo menos em relação a mim, sempre tentaste fugir de qualquer aproximação mais intima. Eu amei-te desde que te vi, embora só me tivesse dado conta disso, em Coimbra, quando falava com o teu irmão. Tenho tanta certeza dos meus sentimentos, que telefonei ao Luís e lhe disse que estava apaixonado pela bonita irmã dele, que ia fazer tudo para a conquistar, e que o meu maior desejo era entrar para a sua família.
- Tu...tu fizeste isso?
- Fiz. E quando tiver a certeza de ser correspondido, falo com os teus pais, com o Ricardo, com a Ana Clara, falo até com o Papa se mo pedires.
- És um tonto, - disse tentando reter as lágrimas. Desde que te vi, que travei uma dura batalha com o meu  coração. Ele queria-te nele e eu a tentava impedi-lo. Dou-me por vencida.
Salvador segurou-lhe a cara entre as mãos e foi aproximando o rosto do dela. Muito lentamente, fazendo aumentar a tensão. Anete passou a língua pelos lábios ressequidos pelo desejo, ansiosa por uma experiência que nunca tinha tido. Entreabriu os lábios, num sinal claro do que desejava.
Salvador roçou ao de leve os seus pelos lábios dela, e deteve-se para voltar ao início numa doce tortura. Ela gemeu de impaciência, e ele foi aprofundando o beijo, lentamente, tocando a língua nos lábios dela, como se executasse uma suave e erótica dança.
Inebriada pelas novas sensações que lhe percorriam o corpo e lhe transformavam o sangue em fogo liquido, Anete envolveu-lhe o pescoço com os braços e apertou-se mais ao corpo masculino. Então Salvador beijou-a com um desejo tão intenso, que lhe deixou a cabeça à roda e os joelhos trémulos. Incapaz de resistir, e não desejando fazê-lo, deixou que o desejo se transformasse em súplica:
- Faz amor comigo, Salvador.
Ele afastou-a um pouco, e mergulhando os seus nos olhos dela, perguntou com voz rouca:
-Tens a certeza?
Trémula, ruborizada, respondeu num fio de voz.
-Sim.
Então ele pegou-lhe ao colo e levou-a para o quarto.


Esta história acaba hoje. Logo às 20.00 horas.
 Com ou sem bruxas, um bom dia para todos.



30.10.17

A RODA DO DESTINO - PARTE XLVII





Desceram até Cascais, onde assistiram ao pôr-do-sol na Boca do Inferno. Depois pararam junto à praia do Tamariz, para uma rápida mirada ao Casino e aos jardins, e finalmente regressaram
Há muito tempo que era noite cerrada, quando às oito horas Salvador estacionou o carro junto de um moderno edifício de apartamentos, no Parque das Nações. Voltou-se para ela.
- Trouxe-te aqui, para te mostrar a minha casa, e te retribuir o jantar de ontem. Mas se preferes ir a um restaurante…
- Mas tu disseste que não sabias cozinhar.
- E é verdade. Mas aquecer comida no micro-ondas, faço-o como o melhor dos cozinheiros, - disse sorrindo. – Tenho uma empregada que cozinha muito bem. Ela fez o jantar, enquanto fazia o almoço. E a comida para amanhã. Faz sempre isso aos sábados de manhã, porque sai à uma e só regressa na segunda-feira. Apesar de conhecer e frequentar bons restaurantes, só o faço em ocasiões especiais, ou em jantares com clientes. Sou um homem caseiro.
- Então vamos.
Subiram no elevador até ao oitavo andar. O apartamento era composto por uma grande sala, com uma parede toda em vidro, que dava para a varanda.
Uma grande casa de banho, com banheira e jacúzi, um quarto de casal, um escritório, o quarto de hóspedes, e uma cozinha totalmente equipada, em madeira cor de pinho.
- O que achas? – Perguntou ele quando acabou de lhe mostrar o apartamento.
- Acho que só podias estar a gozar quando dissestes que gostavas da minha sala. Este apartamento é maravilhoso.
- Comprei-o já mobilado. É moderno, funcional, mas falta-lhe qualquer coisa. Não tem alma. É a minha casa, mas podia ser de qualquer outro, não há aqui uma peça escolhida por mim, percebes? A tua casa é a tua cara. Vê-se que puseste nela muito amor. Mas é melhor jantarmos, estou com fome. Tu, não?
-Também.
-Então deixa cá ver o que a Odete cozinhou hoje. Carne assada com batatas, arroz de pato e bacalhau no forno. O que preferes?
-Carne assada. Eu ponho a mesa.
-OK. Toalhas na terceira gaveta do lado esquerdo, - disse colocando a travessa no micro-ondas. Tirou os pratos e os copos e pôs em cima do balcão. Procurou uma garrafa de vinho, que abriu enquanto a jovem punha a mesa. Retirou a travessa do micro-ondas, e colocou-a na mesa.
-Espera, está aqui, a salada. É só temperar. E o pão, ali naquela caixa. E pronto, podemos começar.
A refeição decorreu de forma agradável, com a jovem a elogiar a empregada, porque a carne estava realmente suculenta e muito saborosa.
Depois do jantar, enquanto Anete metia a loiça na máquina, Salvador tirava os cafés.
- Fazemos uma equipa fantástica, não fazemos? – Perguntou ele sorrindo quando lhe dava a chávena do café.
Sem saber bem o que esperar daquele “novo” Salvador, ela limitou-se a sorrir.



Quase a acabar esta história, que eu tinha pretendido acabar até ao dia 31, mas que a falta da Internet e o facto de não saber publicar pelo Smartphone fez com que se atrasasse.







A RODA DO DESTINO - PARTE XLVI



-O que queres dizer com isso? Estiveste casada mais de três anos. Esqueces que me apresentaste o teu ex-marido? Não me digas que ele é homossexual.
-Nada disso. Afonso e eu crescemos como irmãos. Os nossos pais pensavam que se éramos felizes juntos, o ideal era casarmos. E a nós não nos pareceu mal. Na noite de núpcias, não conseguimos tocar-nos. Era como se fossemos irmãos. Não deu. Nessa mesma noite, combinámos o divórcio. Que só aconteceu três anos depois, por causa da morte do pai dele e da doença da mãe.
Quer dizer que tu nunca…
- Nunca.
- Meu Deus! Salvador sabe?
- Não. Tirando eu e o Afonso, só o contei à minha mãe já depois do divórcio, e agora a ti. Não é nada fácil falar nisto. Sinto-me tão parva!
- Eu diria antes frustrada, Anete. Mas ainda estás a tempo de seres, feliz. E tenho a certeza que o serás com o meu cunhado. Sinceramente, penso que lhe deves contar, o que me disseste. Deves compreender que fará muita diferença, e será muito mais fácil, ele entender essa tua timidez.
- Não sei, - calou-se com a entrada dos dois irmãos na sala.
- Podemos ir, Anete?
-Sim, - disse levantando-se
- Pode saber-se para onde vão? -Perguntou Ana Clara.
- Vamos lanchar a Sintra, - respondeu Salvador. - Anete não conhece a zona.
-Porque não voltam cá logo? Podiam jantar connosco, - insistiu.
- Obrigado, mas tenho outros planos, - respondeu Salvador.
Vestiram os agasalhos e despediram-se.
Na rua o sol brilhava, mas não aquecia. Entraram no carro e seguiram em direção a Sintra.
-Ana Clara conseguiu acalmar os teus receios? – Perguntou ele.
- Não. Mas foi uma boa conversa. E dissipou-me algumas dúvidas.
-Ainda bem. Vamos parar aqui, e passear a pé pela zona histórica. Aperta o casaco, o tempo por aqui nesta época do ano costuma ser bastante frio, No próximo verão, viremos para uma visita aos monumentos, poderemos ir até à Praia das Maçãs, ao cabo da Roca, que como sabes é o lugar mais ocidental de Portugal, o sítio onde acabava o mundo como se acreditou até ao século XIV.  Ir até às Azenhas do mar, à Praia da Ursa.  Esta zona é muito bonita, mas são necessários alguns dias para vermos toda esta riqueza paisagística. E de verão, com dias grandes.  Hoje, vamos mesmo, só dar um pequeno passeio,pelo centro da vila e lanchar.
-Tens razão, tudo isto é lindo.
- É. Há por aqui muita história.Vários escritores aqui buscaram inspiração para as suas obras. Eça de Queirós e Ramalho Ortigão escreveram em conjunto "O mistério da estrada de Sintra" A vila exerceu um grande fascínio sobre os artistas durante a época do romantismo. Escritores e poetas, não só nacionais mas também estrangeiros, pintores e músicos viveram aqui, por períodos mais ou menos longos. Glauber Rocha um cineasta brasileiro também aqui viveu e morreu.
- Não fazia ideia. Conhecia os monumentos, de nome, falámos neles quando estudávamos, sabia da paixão de Ferreira de Castro, por Sintra, até nos foi dito que havia aqui um museu, com as obras que ele doou ao concelho, mas não imaginava que pudesse influenciar tantos artistas.
Vamos entrar? – Perguntou Salvador ao chegar à porta da Piriquita. Tens problemas com doces?
- Não. Porquê?
-Porque vir a Sintra e não comer os travesseiros, é o mesmo que ir a Belém e não experimentar os pastéis, ou como diziam os nossos avós, ir a Roma e não ver o Papa. É um bolo, feito de massa folhada e recheado de creme de amêndoa.
Pediram dois travesseiros e dois cafés.
- Hum…é muito bom – disse a jovem saboreando o doce.
 - Queres que peça, outro?
- Não. Nunca como muito a esta hora, senão depois não janto.
- Então, se não te apetece mais nada, é melhor irmos andando. Vamos descer até Cascais. Com sorte assistimos juntos ao pôr-do-sol.


Gente voltei a ficar sem Internet, desde as 17 horas de Sábado até  às 8 de hoje. 


29.10.17

A RODA DO DESTINO - PARTE XLV






Anete, desceu logo que a campainha tocou. Sob o casaco de fazenda castanho, tinha vestido umas calças pretas e uma camisola creme. O cabelo solto, descia-lhe pelas costas como um manto sedoso. Até agora, ele sempre a vira com o cabelo preso num coque, numa trança, ou num rabo-de-cavalo. Era a primeira vez que Salvador a via assim e ficou encantado.
Levantou-lhe o rosto entre as suas mãos e roçou os lábios pelos dela, numa carícia tão suave como sedutora. Depois enlaçou-a e dirigiram-se para o carro.
- Vais demorar-te com a tua irmã?- Perguntou pondo o carro em movimento.
- Não muito. Um pouco de conversa, uma brincadeira com os meninos, não sei, uma hora, talvez. Porquê?
- A tarde está bonita, podíamos ir até Cascais, ou Sintra. Lembro-me que me disseste que gostarias de conhecer Sintra. Queres ir lá esta tarde?
- Sim.
- Vais contar à tua irmã a minha proposta?
- Porquê? É segredo? – Perguntou tensa.
- De modo algum,- respondeu sorrindo. - Compreendo que estejas receosa, que queiras um conselho. Mas ninguém sabe mais de mim, do que eu mesmo. Sentir-te-ias mais confiante se eu dissesse que te amo?
- Se fosse verdade!
- E quem te diz que não é? E não achas que eu anseio o mesmo que tu? Isto é, que o meu maior desejo é ouvir-te dizer que me amas? Precisas confiar mais. Em mim, em ti, em nós. E pensar que vamos ser muito felizes.
Tinham chegado. Mal Salvador estacionou o carro, e ela apressou-se a desapertar o cinto e sair.
“Continua nervosa. É uma pena que acredite tão pouco em si própria.”
Salvador tirou do banco de trás uma caixa com livros para colorir e lápis de cor, para os sobrinhos e alcançou-a quando ela já se aprestava para tocar a campainha.
 Foi Raul quem lhes abriu a porta.
Cumprimentaram-se e entraram para a sala, onde Ana Clara vigiava, se os filhos arrumavam os brinquedos antes de irem dormir a sesta.
As crianças ficaram alvoraçadas com a presença dos tios, já não queriam ir para a cama. Finalmente a mãe conseguiu que eles serenassem e foi deitá-los com a ajuda de Anete. Para que as duas irmãs ficassem à-vontade, os homens foram para o escritório. O que os dois irmãos falavam, não era muito diferente, da conversa das gémeas.
- Sabes que não me surpreende? – Perguntou Ana Clara.  - Reparei que o Salvador está apaixonado por ti quase desde a primeira vez que vos vi juntos. 
-Acho que não percebeste o que te contei. Eu nunca disse que ele estava apaixonado por mim. O que ele me propôs, não foi uma relação amorosa. Foi um tempo de convivência para nos conhecermos melhor, para descobrir que sentimento nos une.
 - Salvador pode dizer o que quiser, mas ele não precisa saber nada sobre os seus sentimentos. Basta olhar para ele quando te olha. É amor. Conheço-o há anos e nunca o vi aquele brilho no seu olhar.
- Ele já amou, e muito. Confessou-me que pensava em casar, mas parece que ela não lhe correspondeu. Gostava de saber quem é essa mulher. Conheceste-a?
- Não. Se isso aconteceu, deve ter sido há muitos anos, antes de eu o conhecer, porque nunca dei por nenhum entusiasmo da parte dele. E o que é mais estranho, o Raul nunca me contou nada. Não te preocupes com isso. Se gostas dele, vai em frente. Salvador é um homem sério, responsável, e é dos melhores na sua profissão. E além disso é jovem, bonito e rico. Nem com um radar  encontravas melhor.
- Não me interessa a sua riqueza. Eu só quero ser amada. Saber como é viver com um homem, dormir com ele...



28.10.17

A RODA DO DESTINO - PARTE XLIV



Salvador desligou o telemóvel e ficou pensativo. Apesar do que dissera na véspera, à jovem, ele sabia que estava apaixonado por Anete. Não sabia, quando nem como aconteceu, mas de uma coisa tem certeza. O sentimento que tem por ela, é muito mais forte e avassalador do que aquele que sentiu por Ana Clara. A confusão com que se debateu, quando percebeu que o seu coração se estava a prender à jovem, desaparecera há muito. Ele percebera isso no domingo anterior em Coimbra, quando passara o dia com as gémeas. Naquele dia, descobriu, que apesar de aparentemente serem iguais, era Anete quem ele identificava consigo, não Ana Clara. E não, não era porque a cunhada, pela sua posição na família era fruto proibido. Nada disso. Habituado a analisar a expressão corporal e facial das pessoas, encontrava agora muitas diferenças entre as duas. Talvez por causa da profissão que tinha, a voz da cunhada, era segura, quiçá até houvesse nela uma ligeira nota de autoritarismo. A de Anete, não era tão segura, mas em contrapartida era mais serena e mais doce. A cunhada olhava-o de frente, segura de si, de igual para igual. O olhar da irmã, mesmo quando queria aparentar à-vontade, não conseguia ocultar uma certa timidez, e não raras vezes desviava o olhar ruborizada.
A expressão corporal também era bem diferente nas duas. A da cunhada era segura, exuberante, de mulher que sabia bem o desejo que podia provocar, e sabia lidar com isso, com a mesma firmeza com que lidava com a rebeldia dos seus alunos. Anete, era tímida, insegura, e tão ingénua como uma adolescente. Se não conhecesse a sua história, se não soubesse que fora casada durante anos, acreditaria que nunca  tinha dormido com um homem. Eram tão diferentes, que podiam vesti-las e maquilhá-las de igual modo, que ele não hesitaria em identificar cada uma.
Apesar do excesso de trabalho, não lhe permitir estar mais vezes com Anete, não passou um só dia que não pensasse nela, que não tivesse vontade de estar com ela. Sabia que ele também lhe interessava. Percebeu o interesse dela. Mas também percebeu que a jovem se recusava a dar-lhe guarida e tentava a todo o custo ignorá-lo. Daí que ele decidira avançar. Talvez que ela conhecendo os seus sentimentos, pusesse de lado os receios, e deixasse o seu amor florir. Erradamente, a jovem sentia-se inferior, por não ter estudos universitários. Deixara-o bem expresso na conversa do dia anterior. E isso era algo a que ele não ligava. Se ela quisesse ir para a universidade, ele dar-lhe-ia todo o apoio, mas teria de ser porque ela o desejava, para sua realização pessoal. Nunca para estar à altura dele, ou de outrem.  Salvador sempre pensou que o que eleva as pessoas, são a retidão de carácter, e os sentimentos. E isso, ela tinha de sobra.
Pegou no telemóvel e marcou um número. Ao quinto toque, atenderam.
- Estou…
-Luís? Sou o Salvador. Tens uns minutos para me ouvires?
-Sim, claro. Aconteceu alguma coisa?
- Bom, aconteceu que estou apaixonado pela tua irmã. Amo-a e vou fazer tudo para a conquistar. E depois da promessa que te fiz em Coimbra, senti que te devia esta informação. Espero que não faças nada para me atrapalhar, ou impedir de vir a entrar para a vossa família.
- Caramba, Salvador. Tu sabes como deixar um homem espantado. Tens a certeza dos teus sentimentos? Conhecem-se há tão pouco tempo.
- Certeza absoluta, Luís. Tenho trinta e três anos, não se trata da ilusão de um adolescente. E tu sabes tão bem como eu, que às vezes bastam alguns minutos para mudar por completo a nossa vida.
-Ela já passou por uma má experiência, e o nosso desejo é que não sofra.
- Pela minha parte, posso garantir-te que farei tudo para que seja feliz. A sua felicidade será também a minha.
- Sendo assim, que posso eu fazer?
- Podes desejar-me sorte.
- Claro. Toda a sorte do mundo para os dois. 

A RODA DO DESTINO - PARTE XLIII






Acordou já passava das nove. Tinha dormido mal. Levara imenso tempo para adormecer, e o sono fora povoado por vários sonhos, onde Salvador era sempre o protagonista.
O que ele lhe tinha dito na noite anterior, não era uma declaração de amor, embora pudesse soar como tal.  Desde que o vira, o seu coração ficara preso no seu sorriso, na profundidade do seu olhar. O seu corpo reagira com intensidade ao toque da sua pele, e o desejo apareceu pela primeira vez no seu corpo e na sua vida. Contudo esforçara-se para ver nele apenas um amigo, um familiar. Não lhe passava pela cabeça, que ele se pudesse interessar por ela como mulher.
O que ele lhe propunha, era muito arriscado. Porque ela sabia que se começasse a conviver amiúde com ele, se trocassem carinhos estava perdida. E se depois de tudo,  ele chegasse à conclusão que era apenas amizade o que sentia por ela? Como é que ia conseguir sobreviver? Por outro lado se não tentasse, ia viver toda a vida lamentando a sua cobardia. Pensando no que podia ter vivido.
Saltou da cama, foi até à janela e abriu a persiana. O vento acalmara. Já não chovia, mas o céu mantinha-se bastante nublado. Abriu o vidro e deixou que o ar húmido lhe viesse beijar o rosto. Na casa paterna fazia sempre aquilo após uma noite de chuva. Adorava o cheiro a terra molhada. Na cidade não cheirava a nada. Pudera, Por todo o lado, só havia alcatrão, e a calçada dos passeios.
Voltou a fechar a janela. Foi levantar as persianas da sala e da cozinha, organizando mentalmente o seu dia. Precisava fazer umas compras. Já não tinha iogurtes, e o leite só daria para os cereais do pequeno-almoço.
Foi à casa de banho, lavou o rosto, escovou os dentes e os cabelos, que prendeu num rabo-de-cavalo. Vestiu o robe, e voltou à cozinha para preparar os cereais. A seguir iria limpar a casa, depois às compras. De tarde ia ver a irmã. Estava a precisar de um conselho. Ana Clara tinha outra experiência da vida, conhecia Salvador há anos. Talvez até soubesse como era a tal mulher de quem ele lhe falara um dia. Sentia a necessidade de saber quem e como era.Talvez assim conseguisse avaliar as suas hipóteses.
Acabou de comer, passou a taça de cereais por água e meteu-a na máquina que se encontrava quase cheia. Como vivia sozinha, tinha que juntar a loiça de vários dias para encher a máquina. Ligou-a e pôs mãos à obra, na limpeza da casa, começando pelo quarto.
O apartamento era pequeno, mas mesmo assim já passava das onze quando deu a tarefa por terminada.
Tomou um duche rápido, vestiu-se e preparava-se para secar o cabelo quando o telemóvel tocou.
- Estou…
- Bom-dia. Como está a minha Princesa? 
A voz de Salvador, provocou-lhe um arrepio, como se ele estivesse sussurrando no seu ouvido.
- Sou…?
- Tens dúvidas?
-Muitas.
- Não tenhas. Tens programa para hoje?
- Pensava ir esta tarde a casa da minha irmã.
- Passo aí a apanhar-te às duas. É boa hora para ti?
- Sim.
- Então fica combinado. Até logo, querida.

27.10.17

A RODA DO DESTINO - PARTE XLII


- E porque não o fizeste?
- Não se pode amar por dois. O sentimento não era recíproco, ela só via em mim um amigo. Casou com outro e é feliz.
 - E já a esqueceste?
- Sim, embora até há pouco tempo, pensasse que não.
Tinha-se instalado um clima de intimidade entre eles. Os olhos de Salvador, não se afastavam dela, e nervosa, Anete resolveu mudar de assunto.
- E já te decidiste, sobre a proposta de sociedade?
“Está nervosa. Tenho a certeza que não é esta a pergunta que queria fazer. Está com medo, do que pode descobrir.”
- Ainda faltam três dias para o final do mês. – Respondeu. Mas confesso-te que vou arriscar. Penso que vai ser melhor para o meu futuro. Ando assoberbado de trabalho não tenho tempo para nada. Tenho trinta e três anos. Supõe, que estou apaixonado. Como podia pedir a essa mulher para partilhar a minha vida, se a passo quase exclusivamente no escritório, no tribunal, ou viajando?
Olhou o relógio. Onze horas? Como é que o tempo tinha passado tão depressa? Eram horas de partir. Mas não o podia fazer, sem revelar o que lhe ia no peito.  Pôs-se de pé.
- Gosto desta sala, adorei o jantar, e esta partilha de perguntas e respostas, que nos revelaram um ao outro. Não sou homem de floreados, sou um homem de justiça, habituado a pôr o preto no branco. Por isso vou-te ser muito sincero, Anete. Gosto muito de ti, desse teu jeito tímido que te leva a fugir do meu olhar. Gosto da tua simpatia, do teu humor. Fico encantado com esse teu rubor. Não é fácil, hoje em dia, encontrar uma mulher com a tua idade, capaz de se ruborizar. Ainda não estou seguro de como catalogar estes sentimentos. Noutra situação eu diria que te amo. Mas dadas as circunstâncias de sermos quase família, tenho medo de estar a confundir sentimentos de amizade, e ambos já sofremos demais com confusões sentimentais, para querer repetir a dose. Como é óbvio, não sei se a minha pessoa te pode interessar o suficiente, para pores a hipótese de uma partilha de futuro comigo. Eu gostaria de tentar, e agora que já te abri o coração, a decisão é tua.
Nervosa, com o coração a bater desenfreadamente, Anete encarou-o.
- Não sei que te diga, Salvador. É muito arriscado o que propões. Para te ser sincera, eu também gosto da tua companhia. És um homem bonito, simpático, e gentil. Sabes na perfeição como fazer com que uma mulher se sinta especial, na tua companhia. Apaixonar-me por ti, é a coisa mais fácil do mundo. Mas e se depois descobres que esse sentimento que dizes ter por mim, não passa de amizade. Como é que ficamos? Como tu disseste há pouco, não se pode amar por dois. Além disso, tenho a certeza, que entre as tuas amizades, há mulheres muito mais interessantes do que eu. Nem sequer tenho um curso universitário.
-Complexos, não. Por favor, não vás por aí, Anete  Nenhum curso te ensina a amar. Nenhum te  forma para a vida familiar. Eles só te formam para executares uma profissão e não é disso que estamos a falar. É o carácter, os sentimentos, a alma que te tornam, ou não, na mulher ideal. E isso, que nem mil cursos dão, tu tens de sobra. Bom, são horas de ir. Eu acredito que temos tudo para viver um grande amor. Precisamos arriscar. Pensa na minha proposta com carinho.
Encaminhou-se para a porta. Sentia uma vontade louca de a beijar. E não podia fazê-lo. Tinha visto no seu olhar, um brilho, misto de dúvida e alegria, que logo foi substituído pelo medo. Por qualquer razão, a jovem tinha medo dele. Alegrou-se ao pensar que talvez não fosse dele, mas dos sentimentos que ele lhe despertava. Tinha que ser cauteloso. Aquele era o tribunal da vida e ele tinha que ser melhor que nunca. Uma precipitação, um passo em falso, e seria irremediavelmente condenado.
Ao chegar à porta, despediu-se roçando as costas da mão, suavemente pelo rosto feminino e saiu fechando a porta atrás de si. Com as pernas a tremer, Anete encaminhou-se para o quarto.

26.10.17

A RODA DO DESTINO - PARTE XLI


Sentado à mesa na cozinha, Salvador observava a graciosidade e desenvoltura com que Anete se movimentava na preparação do jantar.
- Tens a certeza de que eu não posso ajudar-te? – Perguntou
- Sabes cozinhar?
- Pouca coisa. Mas posso por a mesa.
-Isso é uma boa ideia. Naquela gaveta, tens os talheres, e na outra ao lado, há toalhas e individuais. Escolhe o que mais te agradar. E na dispensa, deve haver uma garrafa de vinho. Podes abri-la.  
Ele levantou-se e começou a por a mesa.
-Tens falado com os teus pais?
- Quase todos os dias.
- Tens uma família muito bonita. São todos muito simpáticos.
- Espera até os meus irmãos saberem que vens cá a casa jantar, e vais ver como se acaba logo a simpatia, - disse rindo.
-Sei. Foram sempre assim tão protetores?
- Sempre, -disse colocando na mesa a travessa dos bifes, com o arroz branco.
Sentou-se e iniciaram a refeição. Só depois continuou
– Desde que fui para o infantário. Os três não me largavam.
- Os três?
- Os dois e Afonso, o meu ex-marido!
“ Quer dizer que o teu ex-marido, é um amiguinho de infância. Vamos ver se contas mais alguma coisa”
- Já estou a ver três rapazes a assaltarem o castelo para brincar com a princesa, e as suas bonecas, - disse rindo.
- Era mais assim. Três rapazes a arrastarem a princesa para ir jogar à bola, subir às árvores, ou pescar.  Fui crescendo sempre com três sombras. No recreio da escola, nas festas, nas saídas. Era tão frustrante que às vezes chegava a odiá-los. Os dois só me deixaram em paz quando fiquei noiva do Afonso.
- Um noivado com ódio ao noivo? – Perguntou franzindo as sobrancelhas.
- Ó não. Aquele ódio era só raiva de momento, por exemplo quando queria ir à discoteca com as minhas amigas, e só podia ir com os três guarda-costas.
- Então amáva-lo…
-Não. Os pais do Afonso viviam, e a mãe ainda vive, na vivenda ao lado da nossa. Os nossos pais eram amigos, e como andávamos sempre juntos eles começaram a falar em casamento, e nós deixá-mo-nos embalar pela ideia. Quando acordámos estávamos casados.
 Tinham acabado a refeição. Anete levantou-se
- Queres café? Como sabes, é do instantâneo.
- Sim. – Levantou-se para retirar a loiça da mesa, enquanto ela punha a chaleira ao lume e retirava do armário as chávenas e o frasco do café. E voltou à conversa:
- Divorciaram-se em seguida. De comum acordo?
- Não e sim. Não nos divorciámos em seguida, Porque o pai do Afonso ficou doente, e depois da sua morte, a mãe dele teve uma depressão, precisava de todo o nosso apoio e carinho, não era hora de pensar em nós. Mas sim foi de comum acordo e continuamos amigos.
Pôs a água fervente na mesa, e continuou enquanto preparava os cafés.
- Tão amigos, que me veio visitar anteontem, para me contar que está apaixonado, que pensa casar e queria que fosse a primeira a saber disso.
Escureceram os olhos masculinos.
- Tens a certeza, que foi por amizade? Não teria sido mais por retaliação, pelo divórcio?
-Não conheces, o Afonso. Se o conhecesses nem te passava pela cabeça semelhante coisa, - disse colocando a loiça na máquina.
"Que defesa tão acalorada," - surpreendeu-se. "Será que ainda gosta dele"?
Foram para a sala. A chuva continuava a cair fustigando os vidros da janela. A jovem foi até ela e desceu a persiana.
-Agora é a tua vez, - disse ao voltar-se. Nunca te casaste?
- Não.
- Mas decerto já te apaixonaste.
 -Não sei se o teu conceito de apaixonar-se é o mesmo que o meu. Se te referes ao amor, pois sim. Há uns anos, conheci uma mulher que julgava, única, especial. Amei-a tanto que estava a pensar pedi-la em casamento.




A RODA DO DESTINO - PARTE XL





O último utente acabara de sair. Diana foi até à porta e fechou-a. A chuva continuava a cair, embora agora com menos intensidade. As duas jovens, fecharam o computador e juntaram requisições e dinheiro numa pequena caixa que o chefe haveria de recolher antes delas saírem. Anete olhou o relógio. Faltavam cinco minutos para a saída.
- Continua a chover. E com este vento, vamos chegar a casa, encharcadas. - Disse Diana.
Ouviu-se o sinal de mensagens no telemóvel de Anete.
“Vim buscar-te. Estou à porta. Salvador.”
Sorriu
- Ai meu Deus que sorriso feliz. Não me digas que chegou o teu príncipe. Espero que tenha trocado o cavalo por um automóvel.
- Não sejas tonta, Diana. É apenas o Salvador.
- Sei. O cunhado da tua irmã. Já me contaste essa história. Mas a julgar pelo teu sorriso, diria que não tem nada de “apenas”.
Nesse momento, o gerente chegou à receção. 
Diana, vestiu o casaco que tinha nas costas da cadeira, pôs a mala ao ombro. Anete fez o mesmo.
- Boa noite, meninas.Toca a sair, que a noite não está para demoras, - disse o gerente, agarrando na caixa que estava em cima do balcão.
As duas jovens encaminharam-se para a porta, pegaram os guarda-chuvas que aí se encontravam e abriram a porta.
- Até segunda. Bom fim-de-semana.
-Igualmente. – Respondeu-lhes o chefe, fechando a porta atrás delas.
As duas ficaram por momentos sob a placa de cimento que protegia a porta da clínica. Salvador estava mesmo em frente à porta. Anete disse:
- Não saias daqui. Vou pedir ao Salvador para te levar à paragem.
Deu uma corrida, e meteu-se no carro
- Boa noite, - disse saudando-o com um breve beijo na face. – Importas-te de levar a Diana até à paragem do autocarro?
- Claro que não.
Ela abriu a janela e fez sinal à jovem que imediatamente correu para o carro e se introduziu nele pela porta de trás.
- Obrigada. Está um tempo horrível, - disse. A minha paragem é já ali à frente.
- Salvador, esta é Diana, a minha colega. Uma amiga que me tem facilitado muito a vida, no emprego.
Salvador virou-se para trás e estendeu-lhe a mão com um sorriso
- Encantado. - Logo se voltou para a frente e pôs o veículo a trabalhar. É melhor avançar. O trânsito está uma loucura.
Rodou devagar até que a uns cem metros, parou junto à paragem.
- Obrigado Salvador. Até segunda, Anete. Bom fim-de-semana.
E sem esperar resposta, Diana saiu a correr para debaixo da proteção da paragem.
- Mora longe a tua amiga?
- Odivelas. O que lhe vale é que tem a paragem do autocarro mesmo à porta.  – E mudando de assunto,- não te esperava. Não disseste nada em toda a semana.
- Tive uma semana complicada. E tu?
- As minhas, há muito tempo, deixaram de ser complicadas. A grande revolução na minha vida, foi mesmo a descoberta da minha verdadeira identidade.
- E o divórcio não? Perguntou sem desviar os olhos da estrada, tentando não parecer interessado.
- Convido-te para jantar. Gostas de bifes com natas e cogumelos?
-Gosto de bifes de qualquer maneira, - disse enquanto pensava que ela tinha uma habilidade especial em fugir do assunto, quando se tratava de falar no divórcio.



25.10.17

A RODA DO DESTINO - PARTE XXXIX



Chovia intensamente. Como sempre que chovia, o trânsito na cidade ficava ainda mais caótico. De pé, junto à janela do seu escritório, Salvador, observava as poucas pessoas que passavam na rua, chapéus-de-chuva vergados à chuva e ao vento. Tinha acabado de elaborar um contrato social, para abertura de uma nova empresa. Depois de verificar se tinha inserido todas as cláusulas que os dois sócios tinham acordado na reunião que tinham tido, dois dias atrás, passou o documento para Raquel fotocopiar. 
Era sexta-feira, a sua semana de trabalho chegara ao fim. Finalmente um dia em que não precisara de ficar a trabalhar até mais tarde. Estava a chegar ao fim do mês, tinha que dar uma resposta a Santiago. E já tinha decidido. Ele sempre trabalhara sozinho. Nunca tivera um estagiário, que lhe ajudasse. Na sociedade iam tê-los. Ia ser melhor para ele. Também os próprios advogados da sociedade, podiam intercalar ajudas. Precisava com urgência de acalmar o ritmo de trabalho. Só precisava resolver com Santiago, a situação laboral de Raquel. Estava na firma, há quase trinta anos, sabia de olhos fechados tudo o que dizia respeito à sua profissão. Tinha que continuar como sua secretária, era uma mais-valia de que não podia abdicar.
Olhou o relógio. Quatro horas da tarde, mas o tempo escuro e chuvoso antecipara a noite que naqueles dias pequenos de aproximação ao inverno, já chega cedo. Pensou em Anete, e na distância que ela tinha que percorrer até casa. De súbito sentiu uma vontade enorme de a ver. Não tinha sabido nada dela em toda a semana. Mas sentira saudades. Algumas vezes chegou a pegar no telemóvel para lhe ligar. Acabou  desistindo. Não gostava de utilizar o telefone nos seus contactos pessoais. Ele gostava de falar com as pessoas cara-a-cara, observando as suas reações.
Podia ir buscá-la. Da clínica até à paragem do metro era um bom bocado. Com aquele tempo ficaria encharcada. A menos que tivesse levado o carro, mas ela dissera-lhe que não se atreveria a conduzir em Lisboa, pelo menos por enquanto. Estava decidido. Ia buscá-la e talvez ela quisesse jantar com ele. A noite estava desagradável, mas podiam jantar em casa. Conversar.
Ele gostava de falar com ela. Era uma boa ouvinte, coisa rara nas mulheres que conhecera nos últimos anos. Recolheu alguns documentos da secretária e meteu-os no cofre. Desligou o computador, vestiu o casaco, apagou a luz e saiu.
- Já acabaste, Raquel?
- Ainda não.
-Vou sair. Quando acabares fecha tudo e podes ir. Até segunda.
- Até segunda, Salvador. Bom fim-de-semana.
Conduziu com cuidado. Os carros rodavam numa marcha lenta no piso molhado. Em algumas ruas a água era tanta que não se via a estrada. Ainda assim conseguiu chegar à porta da clínica faltavam cinco minutos para a saída da jovem.
Pegou no telemóvel...

24.10.17

A RODA DO DESTINO - PARTE XXXVIII



- Foi demorado o almoço hoje, - disse Diana ao vê-la entrar acelerada mesmo em cima da hora.
Anete lançou um olhar pela sala. Ao ver que não havia ninguém para atender, disse baixinho:
- Estive a almoçar com o meu ex-marido.
- Uau! Deu-lhe a saudade? Não me digas que vais ter uma recaída.
- Deus me livre! Afonso é um homem muito bom, dará um excelente marido, mas não para mim. Já te contei que nos divorciámos de comum acordo e que somos amigos.
- Sim, claro. Mas o que é que ele queria?
Naquele momento entrou uma utente e Anete não pode responder. Nem mais tarde, porque em breve a sala estava cheia e não houve mais tempo para conversas.
À noite ao saírem, Diana insistiu:
- Então, não me vais contar?
- Afonso queria que eu soubesse que se tinha apaixonado. Não queria que eu soubesse por outras pessoas.
- Que simpatia! – Ironizou a amiga.
- Não sejas irónica. Eu fiquei muito feliz por ele. Sei que te pode fazer confusão, mas eu gosto muito do Afonso. É o melhor amigo dos meus irmãos, fomos criados juntos e amo-o quase tanto como aos meus irmãos.
- Não te entendo mulher. Se é assim porque se casaram?
- Foi um arranjo entre famílias. Como andávamos sempre juntos, eles pensaram que ia ser um casamento feliz. E nós fomos na onda.
- E perdeste grande parte da juventude. Até amanhã. Vem aí o meu autocarro, - disse começando a correr para a paragem que se encontrava uns cinquenta metros mais adiante.
- Até amanhã, Diana.
Anete continuou a sua caminhada. A paragem do metro era um bom bocado mais abaixo. Ela gostava de caminhar à noite pela rua, de olhar as montras iluminadas. Faltava pouco mais de um mês para o Natal, e as montras mostravam os mais variados artigos entre motivos alusivos à data.
Anete caminhava devagar, e de vez em quando, parava junto a uma montra que se mostrava mais apelativa. Não tinha pressa, não tinha ninguém à sua espera. A noite estava fria. Aconchegou ao pescoço a gola do casaco e retomou a marcha.  Pensava no Natal. Nos anos anteriores, passara com os pais a noite de Natal, e com a sogra o dia. Como seria o Natal deste ano?
Desceu a escadaria para o metro pensando em Afonso. Tinha ficado contente por saber que estava apaixonado. Oxalá tudo desse certo. Ele merecia ser feliz.
Ao entrar em casa olhou o relógio. Oito horas. Levara hora e meia para chegar a casa, um trajeto que de manhã fazia em meia hora. Despiu o casaco, e foi para a cozinha. Preparou uma omeleta de presunto e queijo, uma salada de alface e jantou.

A RODA DO DESTINO - PARTE XXXVII



- Aqui não há muita escolha, como vês nem é um restaurante a sério é apenas um café que serve menus em conta para os trabalhadores da zona, - explicou Anete, quando se sentaram à mesa. – Desculpa, mas uma hora não dá para ir a outro lado.
- Não te preocupes. Se ficar com fome, peço outra dose.
Pediram o prato do dia, e esperaram o empregado afastar-se.
- Fiquei preocupada com a tua mensagem. A tua mãe piorou?
- Não. Mas como sabes a saúde dela nunca mais foi a mesma desde que meu pai morreu.  E depois do nosso divórcio ainda ficou pior. Tinha metido na cabeça que era uma crise passageira e que íamos reconsiderar.
Calou-se e esperou que o empregado os servisse. Depois continuou:
- Quando lhe disse que já estávamos divorciados e que tinhas vindo viver para Lisboa, ela piorou. Contratei uma enfermeira para cuidar dela. Sara, é uma excelente profissional, tem sido muito carinhosa,  e agora ela está bem melhor, embora continue ressentida contigo, e a culpar-te pelo divórcio. Sara tem trinta anos e é divorciada há três anos. O marido traiu-a com a própria irmã, com quem depois se casou. Como deves compreender, foi uma dor muito grande, que lhe fez perder a fé nos homens. Estou apaixonado por ela, e creio que não lhe sou indiferente, mas ela não confia em mim.
- Com uma história dessas no passado, não é de admirar. Vais ter que te armar de muito amor e paciência. E eu não sei como ajudar-te.
-Não te vim pedir ajuda, Anete. Vim contar-te o que se passa, porque vou contar à minha mãe, e aos meus amigos. E tinha que te dizer primeiro. Não queria que o soubesses por outros. Penso, que talvez Sara acredite em mim, quando lhe demonstrar que a amo, perante toda a gente.
- És um homem bom, a Sara vai acabar por confiar e amar-te como mereces. Vou orar por vós.
- E tu? Já tens alguém? Vi um homem novo lá por casa quando estiveste em Coimbra.
- Era Salvador, o cunhado da minha irmã. Foi ele que fez com que descobrisse a minha gémea.
- É verdade, disseste que depois me contavas. Que história maluca, essa de seres adotada.
- Sabes, meus pais guardaram segredo por pensar que se eu soubesse me ia sentir menos filha deles que os meus irmãos. E eles não sabiam de nada porque eram muito pequenos, na altura.
- E como descobriste?
Ela contou-lhe a história por alto.
- Interessas-te por ele?
- É um advogado de renome, Afonso. Mesmo que me interessasse por ele, não ia dar certo. Se um dia se casar, há-de escolher uma mulher à sua altura.
- Não te subestimes Anete. Tu és uma mulher de grandes sentimentos e isso, para um homem é mais importante que tudo o resto.
- Ai meu Deus, faltam cinco minutos para as duas, -disse Anete pondo-se de pé.
-Vai. Eu pago a conta. – Disse empurrando-a para a porta.
- Adeus, Afonso. Boa viagem, e boa sorte com a Sara, - e saiu atravessando a rua quase a correr.


Quanto à Internet, o técnico que esteve cá ontem, e que nada fez, porque eu já tinha Internet, mas que se pôs em contato com a companhia detetou  que o sinal tem picos e diz que como o equipamento é muito sensível se vai a baixo quando isso acontece. Disse-me que ia seguir a informação para os técnicos do exterior, para ver onde está o problema e quando estivesse resolvido me informavam.
Estou com esta operadora há catorze anos e  até Junho deste ano, nunca tinha tido nenhum problema. Antes tive dois anos a TVCabo que depois passou a ZON e agora é NOS. Foram dois anos de chatices.  Vamos ver. Já os informei que se o problema não for resolvido rescindirei o contrato.  

23.10.17

A RODA DO DESTINO -PARTE XXXVI




Na terça-feira, à tarde, Anete recebeu uma mensagem de Afonso. Dizia-lhe que no dia seguinte iria a Lisboa, e precisava falar com ela. Convidava-a para almoçar. Respondeu que estava a trabalhar, só tinha uma hora para o almoço, da uma às duas, costumava almoçar num café perto da clínica.
“Combinado, lá estarei.” - Respondeu ele.
Anete, ficou curiosa, por saber o que é que Afonso queria com ela. Tinha-o visto, duas vezes em Coimbra no domingo anterior e ele não lhe dissera nada.
Bom, a verdade é que, não houve oportunidade de falarem a sós.  A primeira vez que se viram, no adro da igreja, ele estava acompanhado pela mãe, e na segunda ela estava com a irmã, facto que o deixou espantado e não houvera maneira de falarem. Reparara no seu espanto quando as vira juntas, e ela lhe dissera que eram irmãs. Mas nada dissera, e decerto não seria por isso que queria falar com ela,
- Passa-se alguma coisa, Anete? – Perguntou Diana
Sobressaltou-se.
-Não. Porquê?
- Tens duas pessoas para atender e não chamaste nenhuma.
- Tens razão, estava distraída, - disse carregando no botão que chamava o número seguinte.
E o dia decorreu sem mais incidentes. `
À noite depois do banho e do jantar, telefonou à irmã a saber como estavam, e depois pegou no livro e leu os três capítulos finais.
Os dois últimos capítulos eram de uma violência extrema, e ela receou que a protagonista da história, acabasse morta às mãos do psicopata do marido, e ficou feliz por assim não acontecer e o romance acabar com a esperança de um futuro feliz. Apesar de toda a angústia que a parte final do romance lhe transmitira, ela gostara dele e disse a si mesma que queria ler outras obras daquele autor. Recordou que Salvador, lhe dissera, que a irmã tinha quase todos os livros dele. Na próxima vez que estivessem juntas, iria pedir-lhe se lhe emprestava algum.  E por associação de ideias, perguntou-se por onde andaria Salvador. O que estaria a fazer? Já teria tomado alguma decisão? Tinha sido tão estranho aquele serão quando regressaram de Coimbra. O que o levara a abrir-se com uma pessoa que conhecera há tão pouco tempo? E agora Afonso também queria falar com ela, Que quereria ele? Só lhe faltava agora, virar ouvido para confidências masculinas.
Foi à casa de banho, escovou os dentes e deitou-se.
Acordou no dia seguinte, com a cabeça pesada. Tinha tido um sonho bizarro. Via-se numa terra estranha, tentando fugir de dois homens que a perseguiam. Salvador e Afonso.
A manhã de trabalho intenso, só abrandou um pouco depois das onze.
 A clínica não fechava para a hora de almoço. Diana, ia almoçar ao meio-dia e quando regressava à uma, ia Anete. Durante aquela hora, uma tinha que assegurar o trabalho da outra, e executar o seu, o que só era possível porque era a hora de menos movimento.
Naquele dia não foi diferente, e quando Anete saiu para o almoço já Afonso a esperava à porta.
Cumprimentaram-se e seguiram para o café em frente.

Bom a Internet voltou. Mas não sei por quanto tempo. Esta manhã virá de novo o técnico. É a quarta vez num mês.Já refizeram a instalação, já mudaram o modem. Que será que vão fazer agora?


22.10.17

A RODA DO DESTINO - PARTE XXXV


Largou o cortinado. Voltou-se.
- Sabes que sou advogado?- Perguntou encaminhando-se de novo para o cadeirão.
Anete assentiu com a cabeça
- E um dos bons, modéstia à parte. Tenho uma boa carteira de cliente, e estou sempre a pedir à Raquel, que não me agende clientes novos. Raquel é a minha secretária. Há dias, recebi uma proposta de um outro advogado, Santiago Castro, para formarmos uma sociedade de advogados. Santiago é um grande advogado. Talvez até melhor do que eu. Formaríamos uma sociedade por quotas, com mais três ou quatro advogados, que se tornaram bons em determinadas áreas. Não sei se sabes, mas o curso de um advogado compõe-se de várias disciplinas, mas quando começamos a exercer, há sempre uma área em que nos sentimos mais incentivados e mais realizados. De modo que aos poucos vamos tornando-nos cada vez melhor nessa área. Estou a aborrecer-te?
Anete deu-se conta de uma coisa. Salvador tinha algo que o preocupava. Precisava pensar e estava a fazê-lo em voz alta. Ela não entendia nada de advocacia, mas ele não precisava que ela entendesse. Ele queria falar e  necessitava de que o escutasse. E ela estava a gostar de o ouvir.
- Não. Continua.
Na prática somos assim como um médico. Todos são clínicos gerais. Depois alguns escolhem especializar-se em áreas específicas como cardiologia, ou psiquiatria por exemplo. No direito, atualmente já nos podemos especializar em determinada área. Claro depois de termos praticado todas. Outros não chegam a tirar essa especialização pós curso, mas acabam por fazê-lo na prática, aceitando só casos da área em que sentem que são melhores. Eu tenho-me dedicado mais ao direito Empresarial, dando assessoria jurídica a algumas empresas. Já o Santiago tem a maior parte dos seus clientes no Direito Penal. Com mais alguns nos outros ramos do Direito civil, trabalhista, tributário, e outros, podíamos reunir na sociedade todos ou quase todos num só escritório, e não precisávamos rejeitar clientes, porque haveria sempre um advogado para aquele caso específico. Trabalhar em sociedade trás vantagens e dá outro prestígio. Por outro lado, perde-se a nossa liberdade, temos que por a nossa individualidade de parte, e trabalhar em equipa, coisa que nunca fiz. E tenho até ao fim do mês para tomar esta decisão.
- Sei que só querias desabafar, e não estás à espera de conselho meu. E ainda bem que assim é, eu não entendo nada de advocacia, nem de sociedades, mas pelo pouco que te conheço, sei que tomarás a decisão certa, seja ela qual for.
De súbito, ele disse algo que não se ligava em nenhum ponto com a conversa anterior.
- Gosto desta sala. É acolhedora. – Olhou o relógio e acrescentou. – Já é tarde. É melhor ir-me embora, antes que adormeças no sofá.
Levantou-se e dirigiu-se à porta. Ela seguiu-o.
Chegados à porta, pegou-lhe na mão e apertou-a entre as suas, dizendo:
- Obrigado por me teres proporcionado um excelente serão.
E saiu fechando a porta atrás de si.