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5.12.17

MARIA - PARTE X

RE-EDIÇÃO

O fundo do poço

 Calou-se de novo. O seu rosto estava pálido. Era bem visível, o sofrimento que lhe causavam aquelas recordações. Pousei a minha mão sobre o seu ombro, como se quisesse animá-la, mas as palavras não me saíram.
- Apesar da insistência de Artur para que fosse ao funeral, fechei-me no quarto e de lá não saí durante dois dias. Nem sei quantas coisas me passaram pela cabeça, nesse espaço de tempo.
 Depois valendo-me de algumas amizades consegui um novo emprego. Tentava a todo o custo juntar os cacos em que se transformara a minha vida, e especialmente a minha relação com o Artur. Mas apesar de todo o meu esforço, já nada era como dantes. Havia uma frieza latente, como uma sombra invisível, que se instalara entre nós. A casa, que era o nosso ninho de amor, parecia-me agora uma prisão, que me estrangulava. E acredito que devia acontecer a mesma coisa com o meu marido. Um dia telefonou a dizer que ia chegar tarde, jantava em casa do irmão.
 Seguiram-se muito outros jantares. Recomecei a beber. Quando bebia, pensava que o Artur não estava com o irmão coisa nenhuma, que devia haver outra mulher na sua vida. E quanto mais pensava nisso mais bebia. Era um maldito círculo do qual não conseguia sair. Em breve estava de novo desempregada. O Artur escondia as garrafas de bebida ou esvaziava-as e não deixava dinheiro em casa para que não saísse a comprá-las. Um dia tirei-lhe dinheiro enquanto dormia, e mal pude esperar que fosse para o trabalho, fui comprar uma garrafa de vinho que bebi quase de seguida. Depois julguei ver a minha mãe no corredor da sala abanando a cabeça.   Esborrachei a garrafa de encontro à parede e sentei-me no sofá onde adormeci. Quando acordei só pensava em matar o Artur. Matá-lo e suicidar-me depois. A ideia entrou na minha cabeça, e inundou-me com a força de um tsunami. Não conseguia pensar em mais nada. Nessa noite, enquanto ele via televisão, peguei numa pesada jarra de vidro e tentei dar-lhe uma pancada na cabeça com ela. Felizmente para os dois, ele como que pressentiu e desviou-se a tempo. A jarra desfez-se de encontro à pequena mesa cujo tampo de vidro ficou estilhaçado. De cabeça perdida, peguei num pedaço de vidro e cortei os pulsos.
 O silêncio que se seguiu foi entrecortado por um soluço. Não me contive e abracei-a com força. Ficamos assim longos minutos. Depois ela estendeu-me os braços e pude ver nitidamente as cicatrizes nos seus pulsos.
 -O que aconteceu depois foi muito confuso, e não me recordo. Disseram-me mais tarde, que devo a vida ao Artur. Ele amarrou umas toalhas fazendo um garrote em cada braço e telefonou para os bombeiros que me transportaram para o hospital. Estive de novo internada na Psiquiatria. Desta vez foram seis meses. Dos quais só me lembro dos últimos dois. Quando saí o Artur levou-me para a nossa casa, mas quando eu esperava que ele abrisse a porta, entregou-me as chaves, e informou-me que ele tinha ido viver para casa da mãe,   que o nosso casamento tinha chegado ao fim, e  ia pedir o divórcio. Não sei se senti mágoa ou alívio. Apesar de não me lembrar muito bem do que tinha acontecido, aquilo que recordava envergonhava-me o suficiente, para desejar recomeçar uma vida nova, longe de tudo e todos, que me lembrassem o passado. O processo de divórcio foi rápido, uma vez que estávamos de acordo. Vendemos a casa. Pagámos ao banco e dividimos o resto. Com esse dinheiro aluguei um quarto, e comecei a procurar trabalho. Não foi fácil. Eu não estava minimamente apresentável. Estava quase redonda, da bebida e dos medicamentos. Tinha envelhecido. Não tinha uma roupa decente que me servisse. E o dinheiro de que dispunha era muito pouco tinha que controlar bem os gastos. A senhora que me alugou o quarto, comentou que tinham ficado sem a empregada, que ia todas as semanas, lavar as escadas do prédio. Precisavam de arranjar outra. Pedi-lhe para ficar com o lugar. Comecei a ver anúncios de empregadas domésticas. E em breve tinha quase todos os dias da semana ocupados. O trabalho é pesado, mas ganha-se bem. Mergulhei no trabalho, como se fora uma tábua de salvação. Chegava à noite tão cansada que quando caía na cama, já ia a dormir. Não sabia o que me reservava o futuro, mas uma coisa era clara na minha cabeça. Bebida nunca mais. Claro que compensei a falta do álcool com o tabaco. Se antes um maço durava dois dias, naquela altura eram dois maços por dia e às vezes mais.


Continua





11 comentários:

Neno disse...

Ótima a decisão dela: longe das bebidas...Pena o fumo,mas... Vamos seguindo! bjs, chica

Tais Luso de Carvalho disse...

Que drama triste, horroroso em que chega o ser humano! Tão bem narrado, Elvira, tão real! Vemos muito isso, nos filmes e na vida real. Claro que a coitadinha é 'doentinha'... e razões você mostrou muitas. Quantas vezes tentou se matar, os pulsos, a bebida e agora o cigarro.
Adiante, querida, vamos ver como ficam as coisas!
beijo!

Rui disse...

Será mesmo o fundo, ou continuará ainda a afundar-se mais ? :((

Veremos.

noname disse...

Que vida enredada tem a Maria.

Boa noite Elvira

Edum@nes disse...

Separou-se da bebida,agarrou-se ao tabaco, estragou a sua vida. Se estiver arrependida, ainda irá a tempo de evitar um mal maior, do que aquele que já sofreu?
Tenha uma boa noite amiga Elvira, um abraço,
Eduardo.

Cantinho da Gaiata disse...

Vamos ver se é desta que ergue a cabeça uma vez por todas.
Abraços amiga Elvira.

Odete Ferreira disse...

Vindo para atualizar a leitura.
Uma história carregada de drama mas que retrata realidade(s).
Bjinho

Pedro Coimbra disse...

Num processo de auto-destruição?

Joaquim Rosario disse...

bom dia
custa até a fazer comentários sobre esta historia dramática , mas que infelizmente é o pão nosso de cada dia .
esperemos dias melhores
JAFR

Isa Sá disse...

A passar por cá para acompanhar a história...

Isabel Sá
Brilhos da Moda

Rosemildo Sales Furtado disse...

Deus dá o frio conforme o cobertor. Com certeza Maria colherá o que plantou.

Abraços,

Furtado